O infame julgamento de extradição de Assange: audiência de 7 de setembro, por Craig Murray

Edward Snowden: O julgamento show de Assange mais parece algo de Kafka. A juíza permite que as acusações sejam trocadas com tal frequência, que a própria defesa não sabe quais elas são. As demandas básicas são negadas e ninguém pode escutar o que o réu diz – uma farsa. 

O texto que se segue a partir do próximo parágrafo, é uma tradução do longo artigo de Craig Murray em que ele nos transporta para o interior da Corte, onde foi uma das cinco pessoas que ficaram na galeria reservada ao público. Aqui foram omitidas apenas as impressões de Murray sobre a história e o aspecto deteriorado do prédio da Corte de Old Bailey. As colocações entre parênteses foram adicionadas pelo tradutor. Trata-se do primeiro dia da segunda fase do julgamento de Julian Assange iniciado em fevereiro, mas o sexto dia de injustiças da justiça britânica.  As acusações originais contra Assange foram de participação do raqueamento de computadores, o que levou à publicação de documentos secretos onde constavam nomes de informantes.

Craig Murray: A doca em que Julian seria mantido tinha uma tela de vidro à prova de balas na frente, como na Corte de Belmarsh (onde foram realizadas as audiências iniciais em fevereiro), mas não era como um caixote. Como não havia uma parte superior na tela, nem o teto baixo, então o som podia fluir livremente e Julian parecia muito mais presente. A doca também tinha mais fendas do que a famosa Caixa de Belmarsh, e assim Julian foi capaz de se comunicar com seus advogados de forma bem mais fácil e livre, o que desta vez ele não foi impedido de fazer.  

Para nossa surpresa, ninguém mais foi autorizado a entrar na galeria pública da Corte 10, a não ser nós cinco (família e amigos de Julian). Outros como John Pilger (renomado jornalista e documentarista australiano) e Kristin  Hrafnsson, editor-chefe do Wikileaks, foram encaminhados para a Corte 9, adjacente, onde um número muito reduzido de pessoas conseguia acompanhar por uma tela minúscula, mas o som era tão inaudível que John  Pilger  simplesmente saiu.  Muitos outros que esperavam participar, como a Anistia Internacional e os Repórteres Sem Fronteiras, foram simplesmente excluídos, assim como os membros do Parlamento Federal alemão. Após fortes representações da embaixada alemã, tanto os parlamentares alemães quanto os Repórteres Sem Fronteiras, mais tarde conseguiram acesso inadequado ao vídeo.   

A razão apresentada para que apenas cinco de nós fossem admitidos na galeria pública de cerca de 40 lugares, foi o distanciamento social (devido a Covid-19); exceto que nos foi permitido sentar todos próximos, em assentos consecutivos na primeira fila. As duas fileiras atrás de nós permaneceram completamente vazias.   Para completar o cenário, Julian estava bem arrumado e vestido, e parecia ter recuperado um pouco do peso perdido, mas apresentava sua fisionomia com um nítido aspecto de inchaço pouco saudável. Na parte da manhã, ele parecia desconectado e desorientado, assim como havia estado antes em Belmarsh; mas à tarde ele se animou, e esteve muito envolvido com sua equipe de defesa, interagindo normalmente, como se poderia esperar nas circunstâncias.  

Os procedimentos começaram com formalidades relacionadas à liberação de Julian do antigo mandado de extradição e sua (imediata) detenção sob o novo mandado, o que havia ocorrido pela manhã (isto já era previsto, conforme pode ser visto na entrevista do pai de Julian à televisão australiana). Defesa e Acusação concordaram que os pontos já argumentados sobre a proibição de extradição por crimes políticos não foram afetados pela acusação substitutiva.  

A magistrada Baraitser então fez uma declaração sobre o acesso ao tribunal por audiência remota, pela qual ela quis dizer online. Ela afirmou que vários detalhes sobre o acesso foram enviados por engano pelo tribunal, sem a concordância dela. Ela tinha, portanto, revogado as permissões de acesso.    Enquanto ela falava, nós no tribunal não tínhamos ideia do que havia acontecido, mas fora do recinto havia consternação pela impossibilidade do acesso online pela Anistia Internacional, Repórteres sem Fronteiras, John Pilger e de mais quarenta pessoas.

Baraitser declarou que era importante que a audiência fosse pública, mas ela só deveria concordar com o acesso remoto quando fosse “no interesse da justiça”, e após consideração ela tinha decidido que não era. Ela explicou isto, afirmando que membros do público normalmente podem observar de dentro do tribunal, onde ela poderia controlar o comportamento. Mas se eles tivessem acesso remoto, ela não poderia controlar o comportamento de todos, o que não era no “interesse da justiça”. 

Baraitser não especificou que comportamento descontrolado ela antecipava daqueles que visualizassem pela internet. É certamente verdade que um observador da Anistia sentado em casa pode estar de roupas íntimas, estar cantarolando a trilha sonora completa de Mamma Mia, ou pode peidar alto. Ainda nos resta para ponderar, sem mais ajuda da magistrada, por que isto prejudicaria “os interesses da justiça”. Mas, evidentemente, os interesses da justiça eram, na opinião dela, melhor servidos se quase ninguém pudesse examinar a “justiça” muito de perto.  

A próxima “questão caseira” a ser abordada foi como as testemunhas deveriam ser ouvidas. A Defesa havia chamado várias testemunhas, e cada uma tinha apresentado uma declaração por escrito. A Acusação e Baraitser sugeriram que, tendo as evidências sido encaminhadas por escrito, não havia necessidade de testemunhas de defesa fazerem a apresentação oral na Corte. Seria muito mais rápido ir direto ao interrogatório da Acusação.  

Pela defesa, Edward Fitzgerald rebateu que o público deve ver a justiça ser feita. O público deve ser capaz de ouvir as provas da defesa antes de ouvir o interrogatório. Isto também permitiria que Julian Assange ouvisse as evidências resumidas, o que era importante para ele acompanhar o caso, dada a sua falta de amplo acesso aos documentos legais enquanto estava na prisão de  Belmarsh.  

Baraitser afirmou que poderia não haver necessidade de que provas submetidas a ela por escrito, serem repetidas oralmente. Pela Defesa, Mark Summers  não estava preparado para aceitar isto, e a tensão aumentou muito no tribunal. Summers afirmou que era uma prática normal que houvesse “uma apresentação ordenada e racional das evidências”. Pela acusação, e representando o governo dos Estados Unidos, James Lewis negou isso, dizendo que não era um procedimento normal.  

Baraitser declarou que não podia ver por que cada testemunha deveria ser agendada por 1 hora e 45 minutos, o que tomaria muito tempo. Lewis concordou. Ele também acrescentou que a acusação não aceita que as testemunhas especializadas apresentadas pela defesa, sejam de fato especializadas. Um professor de jornalismo falando sobre a cobertura do jornal não contava. Uma testemunha especialista só deveria estar prestando depoimento em um ponto técnico no qual o tribunal não estivesse qualificado para considerar.    Lewis também se opôs que, ao dar provas oralmente, testemunhas de defesa pudessem declarar novos fatos, aos quais a Coroa não teria tempo de reagir. 

Baraitser observou que as declarações de defesa escritas foram publicadas online, então estavam disponíveis ao público.   Edward Fitzgerald levantou-se para falar novamente, e Baraitser dirigiu-se a ele em um tom de evidente desprezo. O que ela disse exatamente foi: “Eu lhe dei todas as oportunidades. Existe mais alguma coisa, realmente, que você queira dizer”, a palavra “realmente” sendo fortemente enfatizada e com tom sarcástico. Fitzgerald se recusou a sentar, e afirmou que o caso atual apresentava “questões substanciais e novas que atingiam questões fundamentais de direitos humanos”. Era importante que as provas fossem apresentadas em público. Isto também daria às testemunhas a chance de enfatizar os pontos-chave de suas evidências, e onde elas punham mais peso.  

Baraitser pediu um breve recesso enquanto ela considerava o julgamento sobre esta questão, e então retornou. Ela se colocou contra as testemunhas de defesa apresentarem suas evidências na Corte, mas aceitou que cada testemunha poderia ser inquirida por até meia hora pelos advogados de defesa, para permitir que eles se orientem e se familiarizem de novo com as provas antes do interrogatório.  

Craig Murray: Esta meia hora para cada testemunha representava algo de um acordo intermediário, na medida em que pelo menos a evidência básica de cada testemunha de defesa seria ouvida pelo tribunal e pelo público (na medida em que o público pudesse ouvir qualquer coisa). Mas é claramente absurda a ideia que meia hora é um tempo razoável, pois o testemunho poderia ser de um único fato ou de acontecimentos desenvolvidos ao longo dos anos. O que ficou fortemente revelado por esta questão foi o desejo da juíza e da acusação de chegarem à extradição com um mínimo de exposição pública do caso.    Como Baraitzer fez um recesso para uma pequena pausa, pensamos que após estas questões que foram abordadas, o resto do dia seria mais calmo. Não poderíamos estar mais errados.  

A Corte retomou com um novo pedido da Defesa liderada por Mark Summers, sobre as novas acusações do governos dos EUA no novo indiciamento. Summers relembrou à Corte o histórico do processo de extradição. A primeira acusação havia sido elaborada em março de 2018. Em janeiro de 2019, havia sido feito um pedido provisório de extradição, que levou à remoção de Assange da Embaixada (do Equador em Londres) em abril de 2019 (com a aquiescência do novo governo equatoriano).  Em junho de 2019, ocorreu a substituição por um novo e segundo indiciamento, que tem sido a base do processo até agora. Uma série de audiências ocorreu com base nesta segunda acusação. O indiciamento substitutivo é datado de 20 de junho de 2020. Em fevereiro e maio de 2020, o governo dos EUA havia permitido que as audiências fossem adiante com base na segunda acusação, não dando nenhum aviso, embora ele já devesse ter conhecimento de que a nova acusação  substitutiva estava chegando. Não foi apresentada explicação, nem pedido de desculpas por isto. 

A Defesa não tinha sido devidamente informada da acusação substitutiva, e só tomou conhecimento de sua existência através de um comunicado de imprensa do governo dos EUA em 20 de junho. Esta nova acusação não foi oficialmente oferecida no processo até 29 de julho, apenas seis semanas atrás. No início, não havia ficado claro como a nova acusação afetaria as acusações, uma vez que o governo dos EUA informara que não fazia diferença, pois apenas dava detalhes adicionais. Mas só em 21 de agosto de 2020, e não antes, finalmente ficou claro pelas novas submissões do governo dos EUA, que as acusações em si tinham sido alteradas.  

Havia agora novas acusações que eram independentes e não dependiam das alegações anteriores. Mesmo que as 18 acusações relacionadas a Chelsea Manning (denunciante das informações militares repassadas ao Wikileaks) fossem rejeitadas, essas novas alegações ainda poderiam constituir uma base  para a extradição. Essas novas alegações incluíram o encorajamento do roubo de dados de um banco e do governo da Islândia, passar informações sobre o rastreamento de veículos policiais, e raquear computadores de indivíduos e de uma empresa de segurança.   

“Quanto desse material de alegação recente é criminoso é o palpite de qualquer um”, afirmou Summers, explicando que não estava nada claro que um australiano dando conselhos de fora da Islândia para alguém na Islândia sobre como decifrar um código, era realmente um ato criminoso se o fato ocorresse no Reino Unido. Isto tudo, ainda sem considerar também que a condição de dupla criminalidade (uma conduta constituir crime no Reino Unido e nos EUA) precisava ser comprovada, antes que tal conduta motivasse extradição.   Era impensável que alegações dessa magnitude pudessem ser objeto desta segunda parte da audiência de extradição, (apenas) após as seis semanas em que foram apresentadas como um novo caso.

Claramente isso não deu tempo para a Defesa se preparar, ou para alinhar testemunhas para estas novas acusações. Entre as questões relativas às novas acusações que a Defesa gostaria de abordar, incluem-se que algumas destas não são criminosas, outras estão fora do limite de tempo, e algumas já haviam sido levantadas em outros foros, incluindo Southwark Crown Court e tribunais nos EUA.   

Também foram feitas perguntas importantes (pela Defesa) sobre a origem de algumas dessas acusações e a natureza duvidosa das testemunhas. Em particular, a testemunha identificada como “adolescente” era a mesma pessoa identificada como “Islândia 1” no indiciamento anterior. Aquela acusação continha um “aviso de saúde” sobre a testemunha, dado pelo Departamento de Justiça dos EUA. A nova acusação removeu esse aviso. Mas o fato é que esta testemunha é Sigurdur Thordarson, que havia sido condenado na Islândia em relação a eventos de fraude e furto, roubando dinheiro e material do Wikileaks e se fazendo passar por Julian Assange.   A Acusação não revelou que o FBI havia sido “expulso da Islândia por tentar usar Thordarson para incriminar Assange”, afirmou Summers sem rodeios.  

Summers disse que todos esses assuntos deveriam ser abordados nas audiências, se as novas acusações fossem ouvidas, mas a Defesa simplesmente não teve tempo de preparar suas respostas ou suas testemunhas, nas curtas seis semanas que teve desde que as recebeu; isto sem considerar os problemas extremos de contato com Assange nas condições em que ele estava sendo mantido na prisão de Belmarsh.  A Defesa precisaria claramente de tempo para preparar respostas para essas novas acusações, mas seria claramente injusto manter Assange na cadeia pelos meses que levariam. A Defesa sugeriu, portanto, que essas novas acusações fossem retiradas da conduta a ser considerada pela Corte, e que esta fosse adiante com as evidências de comportamento criminoso restritas à conduta que havia sido anteriormente alegada.  

Summers argumentou que era “totalmente injusto” adicionar novas alegações criminais em curto prazo e “totalmente sem aviso prévio e não dando tempo para a defesa responder a elas. O que está acontecendo aqui é anormal, injusto e passível de criar injustiça real, se for permitido o prosseguimento”.   E continuou: Os argumentos apresentados pela Acusação agora repousam sobre estas novas alegações. Por exemplo, a Acusação rebateu agora os argumentos sobre os direitos dos denunciantes e a necessidade de se revelar crimes de guerra, ao afirmar que não pode ter havido necessidade de invadir um banco na Islândia. Summers concluiu, afirmando que o “caso deveria ficar confinado à conduta que o governo norte-americano tinha considerado adequada alegar nos dezoito meses do caso”, antes de sua segunda nova acusação.  

Respondendo a Summers pela Acusação, o procurador Joel Smith colocou que o juiz foi obrigado pelo estatuto a considerar as novas acusações e não poderia removê-las. “Se não é apropriado a colocação de um novo pedido de extradição após um pedido fracassar, não existe nada de impróprio em uma acusação ser substituída antes do primeiro pedido ter falhado.” 

“De acordo com a Lei de Extradição, o tribunal deve decidir apenas se o crime é passível de levar à extradição, e se a conduta alegada atende ao teste de dupla criminalidade. O tribunal não tem outro papel e nenhuma jurisdição para retirar esta parte do pedido”, acrescentou Smith.  Todos os precedentes de acusações retiradas de algum caso foram para permitir que a extradição fosse adiante com base nas acusações sólidas restantes; e que as acusações que haviam sido retiradas eram apenas com base em duplo risco (para impedir que uma pessoa seja acusada seja julgada novamente pelas mesmas acusações).” 

E continuou: “Não existe exemplo de acusações sendo retiradas para impedir uma extradição. E as decisões de remoção só foram tomadas depois que a conduta alegada foi examinada por um tribunal. Não houve exemplo de uma suposta conduta que não tenha sido considerada pelo tribunal. O réu pode pedir tempo extra se necessário, mas as novas alegações devem ser examinadas.” 

Summers respondeu que Smith estava “errado, errado, errado e errado”. “Não estamos dizendo que não se pode nunca pode apresentar uma nova acusação, mas que não se pode fazê-lo seis semanas antes da audiência.”  O impacto do que Smith dissera não era mais do que “Ha ha, isso é o que estamos fazendo e você não pode nos parar”. Uma mudança substancial de última hora foi feita sem explicação e sem desculpas. Não poderia ser o caso, como Smith alegara, que acusações podiam ser removidas para favorecer a Acusação, mas não  a Defesa. 

Summers sentou-se e Baraitser deu seu parecer sobre este ponto. Como tantas vezes durante estas audiências, foi um parecer que já estava pré-escrito. Ela leu de um documento no laptop que havia trazido consigo para o tribunal, e no qual ela não tinha feito nenhuma alteração enquanto Summers e Smith discutiram o caso diante dela.  

Baraitser colocou que houve uma solicitação preliminar para remover do caso uma determinada conduta alegada. O Sr. Summers descreveu o recebimento de novas alegações como extraordinário. No entanto, “ofereci à Defesa a oportunidade de adiar o caso” para lhes dar tempo de se prepararem contra as novas alegações. Eu considerei, é claro, que o Sr. Assange estava sob custódia. Escutei o Sr. Summers dizer que acredita que isso seja uma injustiça fundamental. Mas ‘o argumento de que não temos tempo, deve ser remediado pedindo tempo’. O Sr. Summers levantou questões de dupla criminalidade e abuso de processo; não havia nada que o impedisse de levantar então estes argumentos (de insuficiência de tempo) para consideração, que (só) agora estão sendo apresentados”.  

Baraitser simplesmente ignorou o argumento de que, embora não houvesse “nada que impedisse” a Defesa de responder às novas alegações, ela não teve tempo adequado para se preparar. Depois de ler seu julgamento pré-preparado de que iria prosseguir com base na acusação substitutiva,  Baraitser suspendeu a sessão para o almoço.  

No final do dia, tive a oportunidade de falar com um advogado extremamente distinto e conhecido, sobre esta questão de Baraitser trazer julgamentos pré-escritos para o tribunal, preparados antes de ouvir os advogados discutirem o caso perante ela. Eu aceito que ela já tivesse visto os argumentos escritos, mas certamente aquela atitude estava errada. Qual era o sentido dos advogados argumentarem por horas, se o parecer estava pré-escrito? Eu queria realmente saber até que ponto isso era prática normal.  

O advogado me respondeu que não era uma prática normal, que era totalmente ultrajante. Em uma longa e distinta carreira, este advogado tinha visto apenas muito raramente isso ser feito, mesmo no Supremo Tribunal, mas sempre havia algum esforço para disfarçar o fato, talvez inserindo alguma referência a pontos apresentados oralmente no tribunal. Baraitser apenas escancarou. A questão era, é claro, se fora o seu próprio julgamento pré-escrito que ela havia lido, ou algo que havia recebido de cima.  

Foi uma manhã chocante. Foi de tirar o fôlego, o corte no tempo das testemunhas de defesa para apressar o caso, quando se tratava na verdade de uma tentativa de garantir que evidências não fossem ditas no tribunal, exceto as partes que a Acusação julgasse adequadas para usar no ataque durante o interrogatório. O esforço da Defesa para remover a acusação substitutiva foi um ponto fundamental descartado sumariamente. Mais uma vez, o comportamento e a própria linguagem de Baraitser demonstraram a pouca tentativa de disfarçar sua hostilidade à Defesa.  Estávamos pela segunda vez no dia, achando que os eventos agora iriam se acalmar e ficar menos dramáticos. Mais uma vez estávamos errados. 

O tribunal retomou após o almoço com quarenta minutos de atraso, já que várias disputas processuais foram abordadas a portas fechadas. Quando a Corte retomou, Mark Summers, pela Defesa, trouxe uma surpresa.   Summers disse que a Defesa “reconhecia” o julgamento que Baraitser tinha acabado de fazer – uma escolha muito cuidadosa de palavra, em comparação com “respeitava” o julgamento.

Como a juíza havia decidido que o remédio para a falta de tempo era mais tempo, a Defesa estava solicitando um adiamento para permitir a preparação das respostas para as novas acusações. “A Defesa não fazia isto com ânimo tranquilo, pois o Sr. Assange continuaria na prisão, em condições muito difíceis.”   Summers disse que a Defesa simplesmente não estava em posição de reunir as provas para responder às novas acusações em poucas semanas, uma situação ainda piorada pelas restrições da Covid. “Era verdade que em 14 de agosto Baraitser havia oferecido um adiamento e em 21 de agosto eles haviam recusado a oferta. Mas, nesse período de tempo, o Sr. Assange não teve acesso às novas acusações, e não havia percebido completamente até que ponto se tratava de um novo caso.” Até hoje Assange  não havia ainda recebido na prisão a nova nota de abertura da acusação, um documento crucial para estabelecer a importância das novas acusações.  

Baraitser perguntou se a Defesa conseguira falar com Assange na prisão por telefone. Summers respondeu que sim, mas que foram conversas extremamente curtas. Eles não podiam telefonar para o Sr. Assange, e que este só poderia chamar do telefone público da prisão para o celular de alguém por um tempo muito curto; e que o resto da equipe precisaria ficar reunida próxima ao celular para conseguir ouvir. Não foi possível nessas breves discussões expor adequadamente material complexo. Entre 14 e 21 de agosto, eles tinham sido capazes de ter apenas duas conversas, bem curtas. A Defesa só poderia enviar documentos ao Sr. Assange pelo correio, que ele nem sempre recebeu ou foi autorizado a manter.  

Baraitser perguntou qual o tempo de adiamento que estava sendo solicitado. Summers respondeu que até janeiro. Mark Lewis respondeu que para o governo dos EUA seria necessário mais exame desta solicitação. “Os novos assuntos na acusação foram puramente criminosos. Eles não afetam os argumentos sobre a natureza política do caso, nem afetam a maioria das testemunhas. Se mais tempo for concedido, com o histórico deste caso, seremos apenas apresentados com uma carreta de mais material, que não terá qualquer influência…”. 

Baraitser adiou a sessão “por dez minutos”, enquanto saiu para considerar seu parecer. Na verdade, ela demorou muito mais tempo. Quando retornou, ela parecia peculiarmente tensa.  Baraitser  colocou que em 14 de agosto ela havia concedido à Defesa a oportunidade de solicitar um adiamento, e deu-lhes sete dias para decidir: “Em 21 de agosto, a Defesa respondeu que não queria um adiamento. Eles não responderam que o tempo era insuficiente. Mesmo hoje, a defesa não havia pedido o adiamento, mas sim a remoção de acusações.”  “A Defesa ‘não pode ter sido surpreendida pela minha decisão’ contrária a essa solicitação. Portanto, deveriam ter se preparado para prosseguir com a audiência. Suas objeções não foram baseadas em novas circunstâncias. As condições de Assange em Belmarsh não mudaram desde 21 de agosto. Perderam portanto a oportunidade, e a moção de adiamento foi recusada.”  

A atmosfera do tribunal estava agora altamente carregada. Tendo pela manhã se recusado a remover a acusação substitutiva, alegando que o remédio para a falta de tempo deveria ser mais tempo, Baraitser estava agora se recusando a dar mais tempo. A Defesa tinha blefado: o Estado aparentemente estava confiante de que o efetivo confinamento solitário em Belmarsh era tão terrível, que Assange não pediria mais tempo. Suspeito que o próprio Julian estava blefando, e fizera contato (com seus advogados) na hora do almoço para pedir por mais tempo, na expectativa de que seria recusado, e a hipocrisia do processo ficaria exposta. 

Anteriormente publiquei no blogue como o truque processual da acusação substitutiva seria usado para reparar o fracasso da segunda acusação, ou – como Smith disse pela Acusação, “antes de falhar”. Hoje no tribunal se podia sentir o cheiro do enxofre. Bem, mais uma vez ficamos com a sensação de que as coisas agora deviam ficar menos excitantes. Desta vez estávamos certos, mas elas se tornaram em vez disso, aflitivamente banais. 

Finalmente passamos para a primeira testemunha, o professor Mark Feldstein, testemunhando dos EUA por vídeochamada. Não foi culpa do professor  Feldstein que o dia terminou em confuso  anticlímax. A Corte não conseguiu fazer a tecnologia de vídeo funcionar. Por 10 dos cerca de 40 minutos, Feldstein foi brevemente capaz de prestar evidências, e mesmo isso foi bastante insatisfatório, pois ele e Mark Summers estiveram constantemente sobrepondo suas falas.   

O testemunho do Professor Feldstein continuaria no dia seguinte; acho que vou deixar para fazer o relato completo no próximo artigo. Enquanto isso, você pode acessar os excelentes resumos de Kevin Gosztola, ou os relatórios da manhã e da tarde de James Doleman. Na verdade, eu deveria ser grato se você já fez isto, assim você pode ver que eu não estou inventando nem exagerando os fatos desses eventos surpreendentes.  

Se você me pedisse para resumir o dia de hoje (na Corte) em uma palavra, essa palavra seria sem dúvida “atropelamento”. Tudo se tratou de atravessar a fase de audiência o mais rápido possível com um mínimo de exposição pública possível para o que estava acontecendo. Acesso negado, adiamento negado, exposição de provas de defesa negadas, remoção de acusação substitutiva negada.

A Acusação havia claramente falhado durante aquela semana de fevereiro em Woolwich (na fase inicial do julgamento), o que parece ter sido uma era atrás. Agora foi dado um novo impulso à Acusação.   Como a Defesa vai lidar com as novas acusações é o que veremos. Parece impossível que eles possam fazer isso sem chamar novas testemunhas para abordar os novos fatos. Mas as listas de testemunhas já haviam sido finalizadas com base nas acusações antigas. Parece loucura que a defesa deva ser forçada a prosseguir com as testemunhas erradas, mas francamente, não me surpreendo mais por qualquer coisa neste processo falso.  

Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense e responsável pelo blogue chacoalhando.

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