O sonho americano vira pesadelo?

Por Ruben Rosenthal

Até poucos anos atrás seria impensável que pudesse ocorrer ruptura institucional no sistema político democrático norte-americano. 

Pro-Trump rioters used metal bars and tear gas to over take Capitol Police and breach the building. Lev Radin/Pacific Press/LightRocket via Getty Images
Manifestantes pró-Trump cercam e invadem o Capitólio, em Washington, janeiro 2021. Foto: Lev Radin/Pacific Press/LightRocket via Getty Images

No segundo programa do Agenda Mundo, uma produção conjunta  da TV GGN e do blogue Chacoalhando, o entrevistado foi o professor Rafael Rossoto Ioris1, que leciona no Departamento de História da Universidade de Denver, Colorado. Participou também da entrevista, o jornalista de economia Luis Nassif.

O foco da conversa foi o momento político atual nos Estados Unidos e o pacote econômico trilionário que o presidente Joe Biden tenta aprovar, mas que encontra resistência dentro do próprio Partido Democrata.

A seguir são apresentados, de forma resumida, os temas tratados na entrevista de 16 de novembro, que pode ser assistida aqui na íntegra.

Agenda Mundo: Rafael, no seu artigo, os Estados Unidos na encruzilhada: a crise do sonho americano, você associa a cisão política atual ao contexto que antecedeu a guerra civil no século 19. Você pode comentar?

Ioris: Até poucos anos atrás seria impensável que pudesse ocorrer ruptura institucional no sistema político democrático norte-americano. O sistema político tem evidentemente vários problemas estruturais históricos e também problemas conjunturais, como os partidos não atenderem às demandas (sociais e econômicas) da população. A crise institucional é global e tem se aprofundado nos EUA.

Alguns analistas políticos mencionam que o grau de polarização ideológica e partidária que existe nos EUA hoje em dia tem eco somente na situação de antes da guerra civil de 1860. No entanto, hoje ainda é impensável que haja o risco de uma guerra civil.

Dependendo de como se desenrolar a próxima eleição presidencial, se Trump continuar sendo uma força política importante, ele poderá criar uma situação de não reconhecer uma eventual derrota. E aí se coloca uma crise institucional muito imprevisível, que poderia levar a conflitos. Em uma situação de turbulência, algumas milícias poderiam se levantar, como quando tentaram invadir o congresso norte-americano em janeiro passado.

Nassif: A população se insurge contra o modelo liberal excludente em saúde e educação, que não gera melhoria de vida, mas vai atrás de ultradireita, que representa interesses empresariais. Como você explica este paradoxo? Eu queria entender se decorre de uma carência de informação, como ocorre no Brasil.

Ioris: Sem dúvida. Grande parte do eleitorado mais conservador dos EUA é um eleitorado menos educado, tem menos acesso a informações e tende a ser mais cético em relação a informações da ciência. O eleitorado do interior é muito mais religioso, fundamentalmente evangélico e muito racista.

Quem decide a eleição aqui é a mulher branca dos subúrbios de classe média das grandes cidades, que é muito moderada e pode entender de votar pelos republicanos, caso se sinta ameaçada de que seus filhos sejam doutrinados. Ou ameaçada em relação a outras questões que envolvam sua família e o seu bairro. É o que Trump tentou explorar também na eleição passada, mas perdeu.

Então, porque o eleitorado tende a votar menos com o bolso e mais com o coração, ele é ativado pelo medo e por preconceitos. Isso já é um padrão da política norte-americana faz um bom tempo, mas que se acelerou muito dos anos 90 para cá.

Agenda Mundo: Rafael, voltando ao seu artigo, você abordou a questão da restrição ao sufrágio político das minorias étnicas, chegando a usar o termo “democracia capenga”.

Além das restrições que existem em relação ao direito de voto por presidiários e ex-presidiários em alguns Estados, quais outras restrições que estão afetando o direito de voto das etnias, favorecendo o Partido Republicano nas eleições?

Ioris: O sistema político norte-americano é muito descentralizado. Em última análise, as eleições estão a critério dos Condados. A maneira como a cédula vai ser organizada, como vai ser a votação, em que lugares ela vai se dar, tudo isso é administrado pelos Condados e pelos Estados. Não há uma justiça eleitoral nacional.

Um terço dos Estados já está analisando restrições do acesso ao voto. Eles não usam o termo restrição, dizendo que estão regulando, normalizando ou organizando. Estados republicanos se sentem ameaçados com as minorias sociais, que tendem a votar com os democratas.

As restrições podem incluir a exigência de mais de um documento para a pessoa poder votar. As minorias raciais e socioeconômicas têm muito mais dificuldade para ter mais de um documento. Existe também tendência de se eliminar da relação de eleitores, aqueles que não participaram de eleições anteriores, exatamente as minorias raciais e econômicas. Outra forma é restringir o dia de votação a um dia útil da semana, quando as pessoas mais pobres precisam trabalhar, e recebem por hora de trabalho.

Agenda Mundo: A forma como é constituído o colégio eleitoral vem favorecendo mais ao Partido Republicano. Há viabilidade para que possa ocorrer uma reforma constitucional?

Ioris: A constituição norte-americana é entendida pelos juristas como uma das mais rígidas do mundo. Para haver uma alteração é preciso se obter não só dois terços nas duas Casa federais, o Senado e a Câmara, mas também dois terços nas duas Casas de cada Estado. Por isso é muito difícil qualquer alteração no Colégio Eleitoral.

Agenda Mundo: Abordando agora a questão da Suprema Corte. Nos últimos anos ocorreu um aparelhamento da Corte, através de financiamentos por bilionários como os irmãos Koch. Atualmente o escore é de seis a três, conservadores contra liberais.

Várias dessas indicações ocorreram no governo Trump. Existe alguma vontade política de se a ampliar o número de juízes da Suprema Corte, tentar reequilibrar o número de liberais e conservadores?

Ioris: Já existiram diferentes tamanhos da Suprema Corte, porque na Constituição não está definido quantos juízes ela deve ter. Diferentes políticos ao longo da história aumentaram, diminuíram ou ameaçaram fazer a alteração. Como o presidente Roosevelt ameaçou promover um aumento, para forçar a aprovação do New Deal. O Biden é muito conservador e já disse que não vai fazer esta mudança.

Nassif: Eu queria saber mais sobre três setores que têm muita influência na ultradireita norte-americana e também junto ao Bolsonaro: armas, máfia dos jogos eletrônicos de Las Vegas, combustíveis fósseis/mineração.

Ioris: Estes setores têm um alinhamento muito forte com o Partido Republicano há décadas. A questão dos jogos é mais recente, porque existe uma amizade pessoal entre bilionários de Las Vegas e o Trump, e financiaram as campanhas dele.

Apesar dos massacres com armas de fogo levantarem protestos na opinião pública contra a liberação do acesso a armas, o lobby da indústria é muito poderoso. O acesso às armas é defendido como uma questão de liberdade, um direito natural do ser humano.  Ao final, os protestos acabam se diluindo.

Em relação à indústria suja poderão ocorrer mudanças, pois já existe uma conscientização maior da opinião pública, mesmo que fique para o mercado resolver isso.

Agenda Mundo: Vamos conversar agora sobre o pacote econômico trilionário que o Biden tenta aprovar, o Reconstruir Melhor, ou Build Back Better Act.

Originalmente o pacote era no valor de 3,5 trilhões de dólares, e agora já foi podado para cerca de 1,75 trilhões.

O corte se deu em função da oposição da senadora Sinema e do senador Manchin, ambos democratas. Sem o voto dos dois, o Partido não conseguiria os 50 votos necessários no Senado.

Tem também o pacote de infraestrutura, no valor de 1 trilhão, que é de consenso dos dois partidos e já foi aprovado, com um acréscimo de 200 bilhões de dólares.

Com base em um artigo da CNN é apresentado a seguir uma relação dos itens que Biden quer aprovar no Reconstruir Melhor, totalizando 1,9 trilhões.

-390 bilhões, para ajudar a cobrir custos com filhos de até 6 anos, e com o pré-jardim de infância.

-194 bilhões, para afastamento por doença ou licença-família por 4 semanas.

-203 bilhões, em deduções fiscais no imposto de renda de 17 milhões de trabalhadores de baixa renda e também para 35 milhões de famílias, com filhos até 17 anos.

-150 bilhões em Home Care para idosos e pessoas com deficiências.

-126 bilhões em subsídios para cobrir custos com o plano de saúde Obamacare.

-28 bilhões para despesas com audição. Originalmente incluía despesas com visão e tratamentos dentários.

-155 bilhões para moradias, incluindo aluguel, reforma e compra.

-40 bilhões para subsídios de 550 dólares para 5 milhões de estudantes universitários.

-Alimentação para 9 milhões de crianças durante o ano escolar e compra de alimentos nas férias de verão.

-100 bilhões para reforma do sistema de imigração

-Aumento do limite de dedução em impostos estaduais e municipais, de 10 mil para 80 mil dólares. Esta parte é para beneficiar os ricos.

-570 bilhões para Mudança do Clima, em deduções fiscais para instalações de painéis solares, compra de veículos elétricos, fomento da energia eólica. Inclui a criação de 300.000 empregos em conservação. O Senador Manchin se opõe a usar 150 bilhões para um programa de desempenho em energia limpa.

Rafael, a parte do pacote voltada para a Saúde vai aplacar o movimento a favor de um sistema público único de saúde, o Medicare for All. Um forte movimento pelo sistema único havia tomado as ruas durante meses.

Nurses defend Medicare for All
Membros do Sindicato Nacional de Enfermagem protestam em apoio ao Medicare for All em frente à Representação das Indústrias Farmacêuticas, abril 2019 \ Foto: Win McNamee/Getty Images

Ioris: Nos debates para escolha do candidato democrata às eleições presidenciais Biden se colocou em contrário, defendendo uma melhora do Obamacare, que é um plano privado.

Em relação à aprovação do pacote eu acho ainda incerto se vão conseguir passar, especialmente do Senado. E (mesmo passando) vai haver muito descontentamento ao final.

Nassif: Uma das críticas que escutamos aqui em relação ao pacote é que ele direciona verbas públicas para grupos específicos. Isso é mais um argumento retórico dos republicanos?

Ioris: Essa é lógica da política norte-americana. Não quer dizer que seja ruim ou boa necessariamente. É positivo mudar uma matriz energética para uma energia mais renovável, mas como é que vai ser feito isso? Fundamentalmente pela lógica do mercado, subsidiando grandes empresas para produzir turbinas, painéis solares, subsidiando a classe média para comprar um carro elétrico ou híbrido.

Agenda Mundo: Como ficou a questão das dívidas dos estudantes que pegavam empréstimos para pagar a universidade, e que agora estão inadimplentes?

Rafael: Eu não acredito que exista no pacote esta linha, mas existe uma discussão que está ocorrendo. Creio que existam 30 milhões de pessoas devendo de 50 mil a talvez 200 mil dólares. O problema é que o lobby dos estudantes não é muito articulado, e isso torna a demanda muito difusa.

Agenda Mundo: Vamos agora dar uma olhada de onde vem o dinheiro para bancar o pacote do Reconstruir Melhor.

-Impostos de 15% nos lucros das empresas declarados aos acionistas. Deve trazer 814 bilhões de dólares.

-Impostos nas grandes fortunas: sobretaxa de 5%  para quem ganha

acima de 10 milhões de dólares e mais 3%, para quem ganha acima de 25 milhões. Isso deve levantar 640 bilhões.

-Pagamento de impostos devidos, estimados em 400 bilhões.

-Acordos com a indústria farmacêutica, gerando uma economia superior a 250 bilhões.

Nassif: Como está a discussão nos EUA junto à academia, sobre a capacidade do governo poder emitir dinheiro?

Ioris: Desde o governo Obama fizeram uma política mais frouxa em relação a produção de dinheiro, para poder ativar a economia na crise de 2008. A partir daí se tem recorrido a isso. O atual presidente do Banco Central daqui disse que quer diminuir a impressão, mas de outra vez que isso foi ventilado houve uma crise no mercado, e ocorreu uma retratação do BC.

Hoje a inflação está crescendo e o assunto deve ser novamente colocado em pauta, mas a redução na emissão de dinheiro seria gradual.

Agenda Mundo: Este foi, portanto, um resumo do programa com o professor Ioris. Tivemos uma verdadeira aula sobre o momento atual nos Estados Unidos. Imperdível, para quem quer entender sobre o assunto.

Notas do autor:

1 O professor Rafael Rossoto Ioris se formou em Ciências Sociais pela UFRGS, e fez seu doutorado na Universidade de Emory, nos EUA. No Brasil, ele já lecionou no Ibmec/Rio, na Universidade Metodista Benett e na UniLaSalle, em Niterói, principalmente no campo das Relações Internacionais.

O autor é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacolhando e pelo programa Agenda Mundo, na TV GGN.

Glenn Greenwald no Agenda Mundo: As tretas na esquerda dos Estados Unidos 

Glenn: Google e Facebook podem controlar o nosso discurso político? Eu não confio em qualquer instituição humana controlando o discurso político

entrevista Glenn PNG

No primeiro programa do Agenda Mundo, na TV GGN, o jornalista Glenn Greenwald foi entrevistado pelo apresentador, Ruben Rosenthal. Glenn ganhou o Prêmio Pulitzer de 2014, pelo papel que desempenhou na divulgação dos programas de vigilância secreta conduzidos pela NSA, a Agência de Segurança Nacional norte-americana.  Aqui no Brasil, ele foi peça-chave na divulgação dos documentos da Vazajato.

A seguir são apresentados de forma resumida os temas tratados na instigante entrevista, que pode ser assistida aqui, na íntegra, a partir das 20 horas do dia 2 de novembro.

O foco da conversa foi nas brigas que estão chacoalhando o chamado campo progressista norte-americano. Em tese, pode-se dizer que este campo corresponde à esquerda não marxista norte-americana. Na prática, as posições de esquerda de boa parte dos progressistas ocorrem só nas mídias sociais, mas suas atuações parecem favorecer mais as grandes corporações do que as causas populares.

– Agenda Mundo: Uma polêmica desgastante no campo progressista, que começou pouco após a vitória eleitoral dos democratas em 2020, foi a questão do projeto de lei visando introduzir o equivalente a um sistema único de saúde, o Medicare for All – Cuidados Médicos para Todos. Esta polêmica foi descrita em detalhes em artigos anteriores (aqui e aqui).

Entretanto, os autores do projeto do sistema único de saúde (o senador Bernie Sanders e a deputada Pramila Jayapal) não colocavam o projeto em votação. O recuo talvez fosse para não bater de frente com as lideranças do Partido Democrata (PD), que se elegeram com verbas das grandes corporações, inclusive do sistema privado de saúde.

Então o comediante e YouTuber Jimmy Dore propôs que os congressistas ditos progressistas só apoiassem o reencaminhamento da congressista Democrata Nancy Pelosi à liderança da Câmara, se ela levasse o projeto ao plenário, mesmo que a vitória não fosse garantida. Só que as principais vozes progressistas se recusaram, como foi o caso da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, conhecida como AOC, que pertence ao chamado Esquadrão Progressista. Jimmy Dore acusou então os progressistas de traírem as causas que eles defendiam antes das eleições do ano passado.

Glenn, qual é a sua avaliação sobre o recuo dos progressistas, neste caso do Cuidados Médicos para Todos?

– Glenn: O contexto político é muito importante para entender o que está acontecendo nos democratas. Com o resultado das eleições de 2020, os progressistas passaram a ser o fiel da balança para dar maioria ao PD nas votações.

Para Jimmy Dore e alguns outros na esquerda, este poder deveria ser usado para receber algo em troca, de forma a conseguir aprovar projetos que atendam aspirações dos movimentos de base, como o sistema público de saúde. E, para tanto, o establishment do PD deveria ser tratado como um inimigo a ser desafiado.

No entanto, Bernie Sanders – que sempre teve simpatia por Joe Biden – e os membros do Esquadrão, optaram por considerar o PD como um aliado, e resolveram não pleitear nada em troca do apoio a Nancy Pelosi.

– Agenda Mundo: O Esquadrão Progressista consiste atualmente de 6 congressistas: Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), Ilhan Omar,  Rachida Tlaib, Ayanna Presley, Cori Bush e Jamaal Bowman.

O Jamaal escreveu no Twitter que o general Colin Powell, recém-falecido, foi uma inspiração para ele. O general esteve associado a vários episódios em sua carreira que podem ser caracterizados como crimes de guerra. A Ilhan Omar declarou que é fã da Margareth Tatcher,  que atacou os direitos trabalhistas, e fez cortes nos programas sociais no Reino Unido. E, além disso, cometeu crimes de guerra nas Malvinas e na Irlanda do Norte.

Glenn, você acha que essas declarações do Jamaal e da Ilham podem ser compatíveis com alguém que se diga progressista?

– Glenn: Muitas vezes as pessoas presumem que ser membro do Esquadrão significa estar bem à esquerda do espectro político, o que não corresponde à realidade.

Por questões eleitorais, Jamaal Bowman e AOC se posicionaram a favor de mais verbas norte-americanas para Israel aumentar sua proteção com o escudo antimísseis, ao passo que os outros quatro membros foram contrários, revelando uma divisão no grupo.

– Agenda Mundo: Glenn, vamos ver outras tretas no campo progressista.

Os jornalistas Cenk Uygur e Ana Kasparian apresentam no YouTube o programa Os Jovens Turcos (traduzido de The Young Turks), considerado liberal e progressista. Em um programa no mês de maio deste ano, Ana acusou o jornalista Aaron Maté de estar a serviço de ditadores desprezíveis, uma referência a Putin e Assad. Ana acusou Maté de negar que crianças sírias foram mortas com ataques químicos.

Aaron Maté é um jovem jornalista que contribuiu para expor a farsa que fora montada dentro da OPAQ, a Organização para Prevenção de Armas Químicas, para incriminar o governo Assad (ver artigo aqui). Maté também ajudou a expor outra farsa, que foi o caso que ficou conhecido   como Russiagate, em que Putin foi acusado de conluio com Donald Trump, para prejudicar Hillary Clinton nas eleições presidenciais de 2016.

Jimmy Dore se mostrou solidário com Aaron Maté.  E isto deu origem à outra treta, poucos dias depois. Ana Kasparian acusou Jimmy de ter cometido assédio sexual, quando eles trabalharam juntos, 10 anos antes.

Em seguida Os Jovens Turcos abriram chumbo grosso contra você, Glenn, por causa do artigo em que você comenta as táticas sujas que passaram a ser usadas para desqualificar adversários de políticos do establishment do PD. Você pode comentar sobre estas questões, Glenn?

– Glenn: O conflito parece muito pessoal, mas tem mais a ver com o debate sobre o relacionamento entre a esquerda e o Partido Democrata. Os Jovens Turcos querem ficar próximos ao PD, e recebem financiamentos de bilionários associados ao Partido. Então eles acusam os críticos do PD de serem agentes da Rússia, e para tanto, fazem uso de teorias da conspiração.

O que provocou o meu envolvimento direto foi que a Ana Kasparian já havia ameaçado o Jimmy de trazer a questão do assédio sexual, quando ele fez críticas pesadas aos Jovens Turcos. Uma acusação de assédio sexual não pode ser explorada como uma ferramenta contra o inimigo político.

– Agenda Mundo: O Cenk Uygur, que tem origem turca, escolheu para o seu programa dito progressista, o mesmo nome do grupo de jovens oficiais que assumiram o poder na Turquia através de um golpe, em 1913. E que são considerados responsáveis pelo genocídio de centenas de milhares de armênios. Você poderia comentar, Glenn?

– Glenn: É realmente bem estranho, mais do que uma coincidência, como eles alegam. É como se fosse criado um programa no Youtube com o nome de Juventude de Hitler, mas alegar que não tem nada a ver com nazismo.

– Agenda Mundo: Mudando um pouco o foco, o Facebook passou a considerar jornalistas como “figuras públicas involuntárias”, desta forma blindando eles contra críticas. Glenn, esta proteção se aplicaria apenas a quem trabalha na mídia tradicional?

– Glenn: Muitos jornalistas corporativos, como do The New York Times e de O Globo defendem que os jornalistas não possam ser criticados, para que não se perca a confiança na mídia. O Facebook foi muito pressionado pela grande mídia para adotar esta política. Para mim isso é uma loucura. É necessário que as grandes corporações de mídia possam ser criticadas, pois elas têm grande influência na nossa sociedade.

– Agenda Mundo: Aproveitando que estamos tratando do Facebook, você recebeu críticas por ter se colocado contra qualquer censura on line. Este tema se tornou especialmente sensível aqui no Brasil, após a declaração do Bolsonaro, associando vacina contra Covid-19 e AIDS. Que mecanismos você defende, em uma situação como essa?

– Glenn: Qualquer pessoa decente sabe que o vídeo que o Bolsonaro fez é uma maldade. Para mim, a questão é quem vai controlar o que podemos ou não falar. Quem vai definir o que falso, o que é discurso de ódio?

A pergunta crucial é em quais instituições você confia para decidir o que é verdade ou falso? Google e Facebook podem controlar o nosso discurso político? O governo do Bolsonaro? Eu não confio em qualquer instituição humana controlando o discurso político.

– Agenda Mundo: Concluindo então a nossa entrevista. Como você vê a possibilidade da extrema direita Republicana vencer as eleições de 2022 para o Congresso, e retomar a Casa Branca em 2024? Você vê Donald Trump passando o bastão para algum extremista mais competente que ele?

– Glenn: Os EUA têm muita estabilidade. São muitas facções poderosas, que sempre vão proteger o capitalismo, o militarismo e o corporativismo. Não acredito que Trump, ou qualquer outro candidato republicano possa derrubar o sistema democrático.

O risco não é zero, mas está sendo muito exagerado pelo Partido Democrata, porque eles não têm um programa para melhorar a vida das pessoas. Então eles estão usando a tática de infligir o medo de que Trump possa acabar com a democracia.

– Agenda Mundo: Glenn, a nossa audiência deve ter aproveitado bastante as suas análises. Agradecemos a sua presença, e esperamos recebê-lo novamente no programa.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF e responsável pelo blogue Chacoalhando.