Uma Intifada popular palestina de longa duração, em uma revolta com demandas específicas e sob uma liderança nacional unificada, representaria a maior ameaça à ocupação militar de Israel e ao regime do apartheid em muitos anos.

O texto que se segue é uma tradução, por Ruben Rosenthal, do artigo do jornalista e pesquisador Ramzy Baroud¹, Teatro político de Bennett: Israel e palestinos em luta decisiva à frente, publicado no Counter Punch em 2 de julho de 2021. A ilustração original foi substituída pelo tradutor.
Muitos palestinos acreditam que o confronto militar de 10 a 21 de maio entre Israel e a resistência de Gaza, juntamente com a revolta popular simultânea em toda a Palestina, foi um divisor de águas. Israel está fazendo tudo ao seu alcance para provar que estão errados.
Os palestinos estão justificados em ter este ponto de vista. Afinal, apesar de suas minúsculas capacidades militares, eles conseguiram repelir – ou pelo menos neutralizar – a enorme e superior máquina militar israelense em um pequeno trecho de terra sitiado e empobrecido como a Faixa de Gaza.
No entanto, para os palestinos, não se trata apenas de poder de fogo, mas também de sua almejada unidade nacional. De fato, a revolta palestina, que incluiu todos os palestinos, independentemente de suas origens políticas ou geográficas, está promovendo um novo discurso sobre a Palestina – não sectário, assertivo e progressista.
O desafio para o povo palestino é se ele será capaz de traduzir suas conquistas em uma estratégia política real, e finalmente superar o opressivo – e muitas vezes trágico – período que se seguiu aos acordos de Oslo².
É evidente que não será tão fácil. Afinal, há forças poderosas que estão profundamente envolvidas no atual status quo. Para elas, qualquer mudança positiva no caminho da liberdade palestina certamente levará a perdas políticas, estratégicas e econômicas.
A Autoridade Palestina, que opera sem mandato democrático, está mais consciente de sua posição vulnerável do que em qualquer outro momento do passado. Não só os palestinos comuns não têm fé nesta “autoridade”, mas eles a veem como um obstáculo em seu caminho para a libertação.
Portanto, não foi surpresa ver o presidente da AP, Mahmoud Abbas, e muitos de seu corrupto círculo íntimo, cavalgarem a onda da revolta popular palestina, mudando inteiramente sua linguagem. Mesmo que fugazmente, eles passaram de um discurso que fora cuidadosamente projetado para ganhar a aprovação dos “países doadores”, para um que canta as glórias da “resistência” e da “revolução”. Este grupo corrupto está desesperado, ansioso para sustentar seus privilégios e sobreviver a qualquer custo.
Se os palestinos continuarem com sua mobilização popular e trajetória ascendente, Israel é a entidade que mais tem a perder. Uma Intifada popular palestina de longa duração, em uma revolta com demandas específicas e sob uma liderança nacional unificada, representaria a maior ameaça à ocupação militar de Israel e ao regime do apartheid em muitos anos.
O governo israelense, desta vez sob a liderança inexperiente do atual primeiro-ministro, Naftali Bennett, e de seu parceiro de coalizão, o futuro primeiro-ministro, Yair Lapid, é claramente incapaz de articular uma estratégia de guerra pós-Gaza. Se a bizarra transição política de poder, do ex-líder israelense Benjamin Netanyahu para a coalizão de Bennett, for por um instante ignorada, parece como se Netanyahu estivesse ainda mantendo o controle.
Bennett, até agora, seguiu o manual de Netanyahu sobre todos os assuntos relativos aos palestinos. Ele, e especialmente seu ministro da Defesa, Benny Gantz – ex-parceiro de coalizão de Netanyahu – continuam a falar de seu triunfo militar em Gaza e da necessidade de avançar nessa suposta “vitória”. Em 15 de junho, o exército israelense bombardeou vários locais na Faixa de Gaza sitiada e, novamente, em 18 de junho. No entanto, umas bombas a mais dificilmente mudarão o resultado da guerra de maio.
“É hora de converter nossas conquistas militares em ganhos políticos”, disse Gantz em 20 de junho. Mais fácil dizer do que fazer. De acordo com essa lógica, Israel vem pontuando “conquistas militares” em Gaza há muitos anos, ou seja, desde a sua primeira grande guerra contra a Faixa, em 2008-09. Desde então, milhares de palestinos, a maioria civis, foram mortos e muitos mais feridos. No entanto, a resistência palestina continuou inabalável e zero “ganhos políticos” foram realmente alcançados.
Gantz, como Bennett e Lapid, reconhece que a estratégia de Israel em Gaza foi um total fracasso. Uma vez que seu principal objetivo é permanecer no poder, eles estão atados às regras do velho jogo que foram formuladas por políticos de direita e sustentadas por extremistas de direita. Qualquer desvio deste estratagema fracassado significa um possível colapso de sua coalizão instável.
Em vez de conceber uma nova estratégia realista, o novo governo de Israel está ocupado, enviando mensagens simbólicas. A primeira mensagem é para seu principal público-alvo – o eleitorado de direita de Israel, particularmente os partidários de Netanyahu descontentes– de que o novo governo está igualmente comprometido com a “segurança” de Israel, para garantir uma maioria demográfica na Jerusalém ocupada, como no resto da Palestina, e que nenhum Estado palestino jamais será concretizado.
Outra mensagem é para os palestinos e, por extensão, para países da região cujos povos e governos apoiaram a revolta palestina durante a guerra de maio: que Israel continua sendo uma formidável força militar, e que a equação militar fundamental permanece inalterada.
Ao continuar sua escalada militar dentro e ao redor de Gaza, as violentas provocações no bairro de Sheikh Jarrah e em toda Jerusalém Oriental, e as contínuas restrições à necessidade urgente de reconstrução de Gaza, a coalizão de Bennett está se engajando em um teatro político. Enquanto a atenção permanecer fixada em Gaza e Jerusalém, Bennett e Lapid continuam a ganhar tempo e a distrair o público israelense de uma iminente implosão política.
Os palestinos estão, mais uma vez, provando ser atores críticos na política israelense. Afinal, foi a unidade e a determinação palestina em maio que humilhou Netanyahu, e encorajou seus inimigos a finalmente removê-lo do poder.
Agora, os palestinos poderiam potencialmente ter as chaves para a sobrevivência da coalizão de Bennet, especialmente se o governo israelense concordar com uma troca de prisioneiros: vários soldados israelenses capturados por grupos palestinos em Gaza seriam libertados, em troca de centenas de prisioneiros palestinos mantidos sob terríveis condições em Israel.
No dia da última troca de prisioneiros, em outubro de 2011, Netanyahu fez um discurso televisionado, cuidadosamente elaborado para ele se apresentar como salvador de Israel. Bennett e Lapid apreciariam uma oportunidade semelhante.
Cabe aos novos líderes de Israel ter cautela em como proceder a partir de agora. Os palestinos estão provando que não são mais peões no circo político de Israel, e que também podem fazer política, como as últimas semanas demonstraram.
Até agora, Bennett provou ser um outro Netanyahu. No entanto, se o primeiro-ministro mais longevo de Israel em última análise falhou em convencer os israelenses do mérito de sua doutrina política, a farsa de Bennett provavelmente será exposta muito mais cedo. E o preço certamente será ainda mais pesado desta vez.
¹Ramzy Baroud é jornalista e editor do The Palestine Chronicle. Ele é autor de vários livros, e pesquisador sênior não residente no Centro para o Islã e Assuntos Globais (CIGA), da Universidade Zaim de Istambul.
²Em 1993, Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, e Yasser Arafat , presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assinaram os chamados “acordos de paz de Oslo” na Noruega.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, e responsável pelo blogue Chacolhando.