O sistema prisional norte-americano: reformar ou abolir? Argumentos pela reforma, por Ruben Rosenthal

O encarceramento em massa nos Estados Unidos e o racismo entranhado no sistema penal mantêm mais negros na prisão do que o número de escravos antes da abolição.

prisão de negro
Imagem evoca o preconceito da polícia contra os negros  /   Foto iStock

No primeiro artigo sobre o sistema prisional norte-americano, foram apresentados dados do relatório The Color of Justice: Racial and Ethnic Disparity in State Prisons” (A Cor da Justiça: Disparidade Étnica e Racial nas Prisões Estaduais), publicado em 2016 pela Organização Não Governamental, The Sentencing Project. O relatório apresenta um abrangente retrato das distorções introduzidas pelo racismo, seja declarado ou implícito, nos diversos níveis do sistema penal norte-americano.

Já existe uma ampla concordância, incluindo setores dos dois principais partidos políticos estadunidenses, de que o sistema de justiça fomentou o encarceramento massivo no país. Em 2018, acima de 2,3 milhões de pessoas estão em presídios e outras modalidades de prisões. A estas, acrescentem-se outras 4,5 milhões que estão em liberdade condicional, e que podem voltar ao cárcere, ao menor deslize cometido.

No artigo anterior, já foram relatadas as discrepâncias raciais e étnicas na população carcerária, que conta com um número proporcionalmente bem maior de negros e hispânicos. Existe um amplo reconhecimento em diversos setores da sociedade, de que a situação atual é insustentável, e que precisa ser tratada com urgência.

A discordância reside, no entanto, no remédio a ser aplicado para tratar do problema. Por um lado, diversos setores defendem reformas no setor penal, sendo que algumas mudanças já estão sendo introduzidas em alguns Estados. Por outro, um número crescente de norte-americanos considera que as reformas nunca serão suficientemente profundas e radicais, para erradicar as injustiças e o racismo arraigado no sistema prisional. Estas pessoas defendem simplesmente a abolição do que elas que denominam de “complexo industrial prisional”.

No atual artigo será tratado o enfoque dos defensores de reformas no sistema, com base no relatório de 2016 da ONG The Sentencing Project, ficando a análise dos argumentos defendidos pelos modernos “abolicionistas”, para apresentação no próximo artigo.

A ONG defende a reforma do sistema penal, mas reconhece que o progresso das mudanças tem sido relativamente modesto, quanto à resolução do problema do encarceramento em massa, e das persistentes das disparidades étnicas e raciais. Por outro lado, o relatório menciona sinais encorajadores vindos de alguns Estados, e cujas experiências poderiam servir de exemplo a ser multiplicado.

O caso de Nova Jersey é citado pelo seu potencial promissor. Apesar da alta disparidade racial existente entre os prisioneiros sentenciados, este Estado tem buscado reformas que vem atenuando esta condição, e que podem acelerar as mudanças. Seguindo-se ao aumento do encarceramento nos anos 70 a 90, o Estado conseguiu, a partir de 2000, reduzir sua população carcerária em 28%.

Em 2010, o legislativo de Nova Jersey modificou a legislação referente a “drug-free school zone” (regiões escolares livres de drogas), restabelecendo a independência do juiz em decidir a pena dos infratores, ao invés da obrigação que prevalecia até então, de serem adotadas sentenças padronizadas.

A mudança na legislação partiu  da constatação que disparidades raciais resultavam da aplicação da lei sobre as drogas, e que penalizavam, desproporcionalmente, aos infratores negros (e de cor, em geral).  O Estado de Nova Jersey também adotou reformas em seu sistema de liberdade condicional, que resultaram em aumento substancial das concessões.  

Embora ações como estas contribuam para certo avanço de reformas que reduzem as disparidades, os legisladores e profissionais das áreas relevantes do sistema penal precisariam também examinar as distorções existentes mais a fundo. O relatório inclui algumas sugestões neste sentido, listadas a seguir.

1. A maioria agora aceita que a “guerra às drogas” não foi um enfoque efetivo em abordar o crime e o vício, e que esta política fez aumentar as disparidades raciais no encarceramento. Ainda assim, muitas leis vigentes, tanto a nível estadual como federal, sentenciam indivíduos a longos períodos prisionais por ofensas relativas a drogas, enquanto alternativas ao encarceramento seriam mais adequadas (em certos casos). Reformas precisam ser introduzidas, que reduzam o uso da prisão para crimes relacionados a drogas mais leves, e, com isto, possibilitar o redirecionamento dos recursos poupados, para programas de prevenção.

war on drugs
A guerra às drogas fez aumentar o encarceramento de pessoas de cor  /  Foto: David Orcea / Shutterstock

2. Na maioria dos Estados, são mandatórias sentenças mínimas e determinadas disposições preestabelecidas quanto às sentenças, tolhendo a ação do juiz em estabelecer a pena que julgue mais apropriada em cada caso. Esta limitação imposta aos juízes pelas legislações, resulta no encarceramento de muitos infratores que não mais representariam uma ameaça à segurança pública. Tal situação precisaria ser revista, tanto a nível federal como estadual, de forma a possibilitar um enfoque mais personalizado dos casos.

3. Outra reforma necessária é a redução na punição para crimes sérios, sem, no entanto, prejudicar a segurança pública. Sentenças muito longas têm sido aplicadas nos casos de reincidentes em crimes, mesmo já tendo sido demonstrado que isto tem retorno mínimo na segurança da população. Por outro lado, o impacto desta política tem afetado pessoas de cor de forma desproporcional, afro-americanos, em particular.

Já foi constatado que, para históricos criminais semelhantes, os promotores acusam mais negros que brancos. Os negros também recebem sentenças mais longas em geral, inclusive prisão perpétua. Cerca de metade dos que estão atualmente encarcerados pelo resto de suas vidas, consiste de negros, e, um e seis, é de origem hispânica.

4. O Relatório também sugere a necessidade de treinamento adequado e regular de oficiais de justiça que ocupem posições-chave, capacitando-os a identificar e lidar com manifestações de racismo implícito (mais difícil de ser percebido). O objetivo é reduzir atitudes com motivação racial, por parte de profissionais que lidam com o sistema penal em todos os níveis, e também da parte de jurados. A imparcialidade na condução dos processos criminais pode trazer grandes impactos aos sentenciados.

A partir de uma experiência pioneira no Estado de Iowa, em 2008, diversos Estados tem adotado a prática de produzir relatórios de impacto racial, antes de introduzir mudanças no código penal. Desta forma, os legisladores podem considerar enfoques alternativos, que não aumentem as disparidades raciais.

Algumas jurisdições introduziram reformas para diminuir as práticas de stop and frisk (pare e reviste), além de introduzir mudanças na legislação, alterando a classificação de certas ofensas, de crime para contravenção. A expectativa é que, além de reduzir o encarceramento geral, as mudanças possam ter impacto positivo nas minorias étnicas e raciais.

Existe um crescente reconhecimento dos legisladores e responsáveis pelo estabelecimento de políticas penais, que o encarceramento em massa que prevalece atualmente, não ofereceu uma solução efetiva para reduzir a criminalidade, sendo, portanto, insustentável sua manutenção.

Ainda segundo o relatório do The Sentencing Project, apesar dos avanços positivos nos esforços de reformar o sistema de justiça, não foi dada ainda a necessária atenção à questão das disparidades raciais crônicas que prevalecem nas prisões estaduais. Sem este reconhecimento, os Estados Unidos dificilmente poderão introduzir reformas sérias e sustentáveis, que possibilitem desmantelar o atual sistema de encarceramento em massa.

Pie chart showing the number of people locked up on a given day in the United States by facility type and the underlying offense using the newest data available in March 2019.
Retrato completo do encarceramento massivo de 2.282.800 pessoas, 2019 /  Fonte: Prison Policy Initiative

De um modo geral, o ritmo da reforma tem sido muito lento, e também muito modesto em seus objetivos. Acelerar reformas que incorporem o objetivo da justiça racial, irá conduzir, necessariamente, a um sistema penal bem menor e mais justo.

No entanto, para um número crescente de ativistas, acadêmicos, profissionais de várias esferas, além de atuais e ex-prisioneiros, os sistemas de vigilância, policiamento, justiça e detenção são utilizados como soluções para problemas econômicos, sociais e políticos.

O termo “complexo industrial prisional” (PIC, na sigla em inglês) passou a ser utilizado para designar o conjunto destes sistemas. Na visão destas pessoas, os atuais problemas não serão resolvidos através de reformas, e apenas a abolição do PIC trará resultados efetivos.

No terceiro e último artigo da série sobre o sistema prisional norte-americano, será examinado o pensamento e as propostas destes “abolicionistas” dos tempos modernos.

Notas do autor:

1. A política de encarceramento em massa impulsionou as penitenciárias privadas. Estas, mantiveram encarceradas 121.718 pessoas em 2017, o que representa 8,2% do total de prisioneiros mantidos nas prisões estaduais e federais. Ainda segundo pesquisa da ONG The Sentencing Project, a pressão nas empresas gestoras das prisões privadas para manter baixo, o custo por preso, combinada à falta de supervisão por parte do governo, vem comprometendo a qualidade dos serviços. Em 2016, a administração Obama anunciou que a Agência Federal de Prisões iria fechar as prisões privadas federais, mas a decisão foi revertida pela administração Trump.  

Segundo noticiado recentemente pela organização The Marshall Project, diversas entidades decidiram terminar suas relações comerciais com empresas gestoras de prisões privadas, nas quais  são também mantidos muitos imigrantes ilegais. Grandes nomes, como JP Morgan Chase, Wells Fargo e Bank of America  resolveram se dissociar das empresas gestoras. Também cidades e universidades lançaram campanhas contra investimentos nestas empresas. 

Legisladores de Estados como Califórnia e Nevada, já aprovaram leis que proíbem prisões privadas, por pressão dos eleitores. Assim como, um número crescente de empresas também rompeu laços com a indústria das prisões privadas, em face da pressão exercida pelos clientes.

2. Segundo revelou o centro de estudos sobre privatizações, In the Public Interest – ITPI,  os gastos com o sistema de encarceramento privado são maiores do que os despendidos com o custeio das prisões públicas. Para maximizar o retorno financeiro aos investidores da indústria de prisões privadas, foram introduzidos cortes de custos em áreas vitais, como no pessoal envolvido com segurança, e em cuidados médicos, ameaçando a saúde e segurança de internos e funcionários.

E, mesmo assim, não se concretizou a economia de gastos prometida pelos gestores para as agências de governo contratantes. No entanto, nas comparações dos custos do sistema prisional público e privado, os defensores das prisões privadas teriam feito uso de metodologias questionáveis, ao calcular o custo do sistema privado de prisões, reduzindo-o, e inflando os custos das prisões estaduais.

3. Segundo o Portal Justificando, na contramão do que ocorre nos Estados Unidos por pressão da sociedade, no Brasil se discute a construção de mais presídios privados. Atualmente, o país possui prisões privadas em pelo menos 22 localidades, mantidas através de cogestão ou de parceria público-privada. A primeira penitenciária privada do país foi construída em 2013, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte (MG).

Os coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionaram a legalidade do modelo que, segundo eles, é “uma excrescência do ponto de vista constitucional”, e declaram que “o maior perigo deste modelo é resultar no encarceramento em massa”.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e responsável pelo blogue Chacoalhando.

 

 

 

 

 

 

O sistema prisional norte-americano: retrato em branco e preto, por Ruben Rosenthal

George Stinney Jr inocente executado e exonerado 70 anos depois
George Stinney Jr foi executado na cadeira elétrica em 1944, e inocentado 70 anos após sua condenação1 

O atual artigo é calcado no relatório “The Color of Justice: Racial and Etnic Disparity in State Prisons” (A Cor da Justiça: Disparidade Étnica e Racial nas Prisões Estaduais), publicado em 2016 pela Organização não Governamental, The Sentencing Project. A ONG recebe apoio financeiro de diversas fundações, entidades filantrópicas e de caridade, incluindo a Fundação Ford, o Fundo David Rockfeller e a Igreja Metodista Unida.

Trata-se, provavelmente, do mais completo retrato das distorções introduzidas pelo racismo, seja explícito ou internalizado, nos diversos níveis do sistema penal norte-americano.  As fotografias incluídas no artigo, bem como os comentários sobre as mesmas, não constam do Relatório.

Os constantes relatos de brutalidade policial contra pessoas de cor, e as disparidades raciais e étnicas existentes na população carcerária, evidenciam claramente o racismo que permeia a justiça criminal norte-americana. A situação foi agravada ainda mais, em face do contexto do encarceramento em massa, que passou a ser experimentado no país a partir de 1973, como será visto no decorrer do artigo. Não foram incluídos aqui, dados específicos relativos ao cometimento de crimes e encarceramento de mulheres negras.

Como a maior parte das pessoas sentenciadas está encarcerada em prisões estaduais, e não federais, para melhor se interpretar o resultado da pesquisa, é necessário se levar em conta a composição étnica e racial em cada Estado, bem como as políticas locais que possam ter contribuído para as disparidades observadas nas prisões. Outro ponto que deve ser considerado, ao se analisar as estatísticas, é que pessoas de origem hispânica (latina) são contabilizadas como brancas em vários Estados, pela falta ou imprecisão nos dados étnicos. Isto introduz uma distorção, na comparação numérica da população carcerária de negros e brancos, e de latinos e brancos, subdimensionando estas proporções.  

Como resultado geral, constatou-se que, na média, o número de afro-americanos encarcerados em prisões estaduais é 5,1 vezes maior que o de brancos, sendo que esta proporção pode alcançar uma taxa acima de 10 para 1, em cinco Estados (Iowa, Minnesota, New Jersey, Vermont e Wiscosin). No Estado de Maryland, 72% da população carcerária é constituída de negros. O relatório apresenta várias tabelas, onde dados obtidos na pesquisa são apresentados para todos os Estados.

As disparidades raciais observadas no comparativo do encarceramento de brancos e negros, podem ser tanto o resultado de um elevado número de encarceramento de negros, como de um baixo encarceramento de brancos.

Já em termos dos prisioneiros de etnia latina, estes apresentam em relação aos brancos, uma taxa média de encarceramento que é 1,4 vezes maior, podendo alcançar 4,3 para 1, em Massachusetts, e 3,1 para 1, em Nova York. No Novo México, a população carcerária de origem hispânica representa 61% do total, sendo que na Califórnia e Arizona, este percentual é de 42%. O atual artigo não irá se aprofundar nas estatísticas e questões relacionadas com a população carcerária de origem hispânica.

Um dado importante de ser avaliado é a proporção de negros adultos encarcerados por Estado, como função do total da população negra local. Em média, esta proporção é de 1 para 26 (ou seja cerca de 3,8% ) em prisões estaduais, podendo alcançar 1 para 14 (7,1%) em Vermont. Como o relatório não inclui o encarceramento em presídios federais ou nas cadeias dos condados, estima-se que estes números podem se elevar em aproximadamente 50%. Estes valores alarmantes trazem graves conseqüências, não apenas a nível dos indivíduos, pois representam um fator desestruturante para as famílias e comunidades negras.

O Relatório propõe explicações para as disparidades constatadas no encarceramento. Por um lado, questões sociais como pobreza, acesso à educação e desemprego, elevam as taxas de cometimento de crimes e de detenções. Por outro, o racismo presente no sistema policial, ao serem efetuadas as detenções, e no judiciário, ao serem emitidas as sentenças, também contribuem para explicar os dados obtidos. Os efeitos provenientes dos procedimentos envolvidos nas detenções e nos julgamentos precisam ser melhor estudados. 

 

The Scottsboro Boys
Os rapazes de Scottsboro foram encarcerados por anos, acusados de estupro2

Para crimes menos sérios, como no caso de drogas, o Relatório sugere que é provável que as detenções efetuadas pela polícia, assim como as sentenças emitidas pelos juízes, estejam mais sujeitas a incorporar fatores subjetivos, como o racismo explícito ou mesmo internalizado, neste segundo caso, pela percepção de uma suposta ameaça representada por pessoas da raça negra. Já para os crimes de homicídio, o racismo teria provavelmente menos influência na ação da polícia e do judiciário3 .

As principais explicações, que emergiram de dezenas de estudos, para as disparidades raciais foram: 1. políticas e práticas do sistema de Justiça Criminal; 2. o papel do preconceito implícito e dos estereótipos na tomada de decisões, e 3. as desvantagens estruturais nas comunidades negras, que resultam em alta taxa de cometimento de ofensas criminais  e detenções.

Políticas e Práticas: o aumento no encarceramento, que passou a ser conhecido como encarceramento em massa, data de 1973, iniciando uma era na elaboração de políticas que tiveram um grande efeito sobre as pessoas de cor. Até 1986, estas políticas estiveram principalmente voltadas para o encarceramento pelo cometimento de crimes sérios. A partir desta data, o foco foi em questões de ofensas relacionadas a sexo e drogas. Já a partir de 1995, verificou-se aumento na probabilidade de aprisionamento e no tempo de detenção.

O endurecimento da legislação sobre drogas foi um fator relevante nas persistentes disparidades étnicas e raciais observadas nas prisões estaduais. A probabilidade de negros serem detidos por ofensas relacionadas a drogas é 4 vezes superior a de brancos, e 2,5 vezes maior pela posse de drogas, embora as evidências sejam de que existe equivalência no número de usuários das duas raças. De 1995 a 2005, o número de afro-americanos usuários de drogas foi de 13%, mas este grupo populacional correspondia a 36% das detenções, e a 46% das condenações, por ofensas relacionadas a drogas.

Já no contato inicial com a polícia, a política então adotada de “parar, interrogar e revistar” indivíduos, com base em meras suposições ou comportamento suspeito, contribuiu para que milhares de pessoas de cor tivessem fichas criminais, desnecessariamente. Estudos mostraram que, transgressores negros e hispânicos, particularmente jovens, do sexo masculino e desempregados, têm maiores chances de serem sentenciados à prisão que os brancos, nas mesmas condições. Foi demonstrado no Relatório, que a existência de um histórico policial prévio, pode mais facilmente levar o indivíduo  a encarceramentos futuros.  Em 2013, esta política foi considerada inconstitucional na cidade de Nova Iorque.

Preconceito Implícito: as percepções que um indivíduo tem, sobre pessoas de diferentes raças e etnias, também influem no resultado da justiça criminal. As crenças sobre os riscos à segurança pública estão entranhadas de preconceito racial, e exercem influência na condenação de negros, inclusive com penas mais severas. 

A mídia contribui para criar estas percepções, ao focar mais em crimes cometidos por negros, particularmente tendo brancos, como vítimas. Cerca de 75% do público norte-americano relata que suas opiniões sobre crime são formadas através da imprensa.

Date Shot: Jul 31, 2018  Location Shot: Cleveland
Juiz impediu que o acusado se manifestasse sem autorização4   / Foto de vídeo CNN

Estudos da Universidade de Stanford verificaram que as disparidades raciais já existentes nas prisões, fazem aumentar o apoio por punições mais severas, o que contribui para alimentar ainda mais as disparidades.

Desvantagem Estrutural: uma terceira explicação para as disparidades raciais reside nas desvantagens estruturais que impactam mais as pessoas de cor. As comunidades negras são afetadas por fatores sociais como pobreza, desemprego, moradia, lares instáveis e abandono escolar. Cerca de 62% dos afro-americanos moram em vizinhanças com alta taxa de crimes violentos.  Estes fatores, que afetam as comunidades, influem na condução de jovens negros ao cometimento de crimes. 

Na conclusão, o Relatório realça que existe um aumento da percepção, de que a política de encarceramento massivo não foi um remédio efetivo para diminuição da criminalidade, e que precisa ser descontinuada. As reformas sérias que são necessárias, só seriam possíveis com o reconhecimento das disparidades raciais crônicas que permeiam as prisões estaduais.

As diversas recomendações contidas no relatório, para reformar o sistema penal, serão apresentadas na segunda parte do artigo. Será também apresentado e discutido, um enfoque alternativo, que defende a abolição do encarceramento.

1 George Stinney Jr, então com 14 anos, se tornou a pessoa mais jovem a ser executada nos Estados Unidos no século 20, ao ser enviado para a cadeira elétrica em 1944, após um julgamento relâmpago. No entanto, mais de 70 anos após sua condenação, ele foi inocentado por falta de provas. A juíza Carmen Mullen (branca) declarou que a rapidez com que a justiça foi aplicada contra o jovem negro, acusado da morte de duas meninas brancas na Carolina do Sul, foi chocante e injusta.

No caso que ficou conhecido como The Scottsboro boys, nove adolescentes foram falsamente acusados de estuprar duas mulheres brancas dentro de um trem no Alabama, em 1931. O racismo escancarado nos repetidos julgamentos, levantou um clamor mundial contra as condenações. Após anos de batalha judicial, os jovens puderam finalmente deixar as duras condições que prevaleciam então no sistema prisional do Alabama. 

3 Artigo de 1990, publicado em Law & Society Review,  focado em dados relativos a Detroit, sugere que juízes negros e brancos condenam negros transgressores da lei de forma igualmente severa. Este estudo deve ter sido provavelmente utilizado, para questionar que o aumento na proporção de juízes negros, resultaria em um tratamento mais equitativo de negros e brancos pelas Cortes de Justiça.

A autora, no entanto, foi mais além em suas conclusões, ao usar os resultados da pesquisa, para sugerir que o tratamento mais severo concedido aos transgressores negros não poderia ser atribuído ao racismo de juízes brancos. Na verdade, os resultados da pesquisa não estão em desacordo com o relatório do The Sentencing Project, pois se refere apenas a crimes violentos, que não estariam tão sujeitos a fatores subjetivos como o racismo. 

4 A foto, obtida de um vídeo da CNN, mostra Franklyn Williams, que foi condenado a 24 anos por acusações de roubo, sequestro e fraude com cartão de crédito. Durante o julgamento, o juiz silenciou o acusado com um fita adesiva, por este insistir em questionar as acusações fora do momento apropriado. Williams disse que foi tratado como “um cão, colocado para dormir”.  O caso teve imensa repercussão, com acusações de prática de racismo pelo juiz.  

Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e responsável pelo blogue Chacoalhando.