O tema das atrocidades cometidas em 1948 é altamente sensível em Israel.
Possível local de covas coletivas em Tantura / Forensic Architecture
Poucos dias após as comemorações dos 75 anos da independência Israel, ressurge uma história que fora enterrada junto com dezenas de corpos de palestinos em valas coletivas. Uma investigação sobre um massacre ocorrido durante a guerra de independência de 1948, conduzida pela Forensic Architecture, expõe um lado sombrio da fundação do Estado de Israel.
A Forensic Architecture é sediada em Goldsmiths, Universidade de Londres, e utiliza técnicas e tecnologias arquitetônicas para investigar casos de violência estatal e violações dos direitos humanos em todo o mundo. O grupo é liderado pelo arquiteto israelense-britânico, Eyal Weizman.
A investigação em Tantura foi fundamentada em dados cartográficos e imagens aéreas, que foram usados para criar modelagem 3D, determinando os locais prováveis de execuções e valas comuns, bem como os limites de cemitérios anteriormente existentes, e se sepulturas podem ter sido exumadas ou removidas.
Segundo relato no periódico britânico The Guardian, sobreviventes e historiadores palestinos há muito afirmam que homens que viviam em Tantura, uma vila de pescadores de aproximadamente 1.500 pessoas perto de Haifa, foram executados em 22 de maio, depois de se renderem à Brigada Alexandroni dos combatentes judeus.
Os corpos teriam sido jogados em uma vala comum, que se acredita estar localizada sob uma área que agora é um estacionamento no atual resort da Praia de Dor. As estimativas variam de 40 a 200 pessoas, segundo o artigo no The Guardian, e entre 20 e 280, pelo Middle East Eye.
Segundo o relato no Middle East Eye, a investigação identificou em Tantura dois locais com “alta probalidade” de serem valas coletivas, e outros dois também com possibilidade de conterem valas com corpos. O tema das atrocidades cometidas em 1948 é altamente sensível em Israel. Um documentário feito no país sobre o que aconteceu na vila de Tantura enfrentou ampla reação, quando foi lançado em 2022.
O relatório Tantura foi encomendado pela Adalah, um grupo palestino de direitos humanos com foco em questões legais. Com base nas descobertas, Adalah entrou com uma petição legal, inédita em Israel em nome de várias famílias de Tantura ainda no país.
As famílias querem que os locais das possíveis valas coletivas sejam demarcados, para poderem exercer o direito de proporcionar um enterro digno aos mortos, o que é garantido pela legislação internacional e mesmo de Israel.
O caso de Tantura traz também de volta outras tragédias ocorridas há 75 anos, quando cerca de 500 vilas foram destruídas. Na vila de Deir Yassim, teriam morrido pelo menos 100 residentes palestinos no massacre promovido por milícias judaicas, gerando o pânico que contribuiu para que cerca de 600 a 700 mil palestinos abandonassem suas residências. Este êxodo ficou conhecido como Nakba (catástrofe), e é relembrado anualmente em 15 de maio, o dia posterior às celebrações da independência de Israel.
O projeto Tantura foi o primeiro de uma série de investigações que a Forensic Architecture pretende conduzir sobre os massacres que teriam ocorrido à época da Nakba.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável peloblogue Chacoalhandoe pelo programa deentrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando.
Com a Câmara dos Deputados sob controle dos republicanos, Blinken já foi chamado a dar explicações pelo presidente do Comitê Judiciário.
Em artigo da jornalista Miranda Devine de 20 de abril, o New York Post levanta fortes suspeitas de que o secretário de estado norte-americano Antony Blinken teria sido responsável pela campanha de desinformação que atribuíra à Rússia a origem dos e.mails contidos no laptop de Hunter Biden. A atuação de Blinken se deu às vésperas do debate presidencial de 2020, e possibilitou que Biden se defendesse de acusações de corrupção proferidas por Donaldo Trump.
A polêmica sobre o conteúdo do laptop, que Hunter havia abandonado em uma oficina de reparos, surgiu com uma publicação no próprio New York Post, poucos dias antes das eleições presidenciais de 2020. Estes e.mails indicariam que o filho de Biden estava fazendo tráfico de influência junto a vários países, se aproveitando que o pai era então o vice-presidente do governo de Barack Obama. Ou seja, os Bidens teriam atuado de forma corrupta, mas mídia preferiu não investigar esta possibilidade, para não prejudicar as chances do candidato democrata nas eleições, o que iria favorecer a reeleição de Trump.
A revelação do esquema montado para desacreditar a veracidade dos e.mails foi feita sob juramento pelo ex-diretor da CIA, Mike Morell, ao Comitê Judiciário da Câmara de Deputados dos Estados Unidos. Morell revelou que havia sido procurado por Blinken, então ocupando uma posição de destaque na campanha eleitoral democrata à presidência, poucos dias após o NYP publicar artigos sobre o conteúdo do laptop.
Em artigo de 14 de outubro de 2020, o NYP publicou que Hunter havia apresentado Joe Biden a um alto executivo de uma empresa energética ucraniana. Meses depois, o vice-presidente teria pressionado o governo ucraniano para demitir um procurador que estava investigando a tal empresa. Em artigo publicado no dia seguinte, o Post revelou supostos esquemas de Hunter junto a uma firma chinesa.
A farsa da desinformação russa
Morell revelou que atuou na preparação de uma carta para ajudar o vice-presidente Biden a ganhar a eleição, e que esta intenção surgiu após uma conversa que teve com Blinken e do e.mail que recebeu deste, contendo um artigo do USA Today, onde era mencionado que o FBI estava investigando se a questão do laptop do Hunter Biden seria parte de uma campanha de desinformação.
Além de sua própria assinatura, Morell conseguiu as de 50 ex-oficiais do setor de inteligência em uma carta que procurava vincular a questão do laptop a um esquema de desinformação por parte da Rússia. A ideia era repassar a carta para um jornalista do Washington Post, mas um colaborador a enviou para o Político, que publicou em 19 de outubro, com a manchete: A história do Hunter Biden é desinformação russa, dezenas de oficiais dizem.
A carta pode então ser usada dias após no debate presidencial entre Trump e Biden, possibilitando que este negasse acusações de tráfico de influência internacional a favor dos interesses de sua família. Morell revelou ainda que após o debate recebeu um telefonema do chefe de campanha do Biden, agradecendo pela declaração.
Com a Câmara dos Deputados sob controle dos republicanos, Blinken já foi chamado a dar explicações pelo presidente do Comitê Judiciário, Jim Jordan, e pelo também republicano, Michael Turner, do Comitê Seleto Permanente de Inteligência. Eles pediram a Blinken que encaminhasse toda a documentação e comunicações relacionadas no documento com as 51 assinaturas, e que fornecesse os nomes de todos que estiveram envolvidos no esquema, do começo até a divulgação.
No conteúdo da carta que Turner e Jordan enviaram a Blinken consta: “Os esforços para desqualificar as sérias alegações feitas pela reportagem do Post e para suprimir qualquer discussão sobre a história (do laptop do Biden) tiveram um papel significativo na campanha de 2020”.
Os dois deputados republicanos acrescentaram ainda: “Soubemos que você teve um papel na origem da declaração, como conselheiro da campanha do Biden, ……. impedindo que os cidadãos americanos pudessem tomar uma decisão com total informação durante a eleição presidencial de 2020”.
A desinformação promovida pela mídia norte-americana
A confissão do ex-vice-diretor da CIA, Mike Morell, parece confirmar o que já havia sido anteriormente veiculado por alguns jornalistas independentes, que foram na contra-mão do que estava sendo divulgado na mídia corporativa estadunidense.
Em março de 2022, Glenn Grennwald, em artigo na plataforma Substack, chamava a atenção para o fato de que na tal carta com a declaração dos 51 ex-oficiais da inteligência não era afirmado em momento algum que havia evidências de envolvimento russo na questão do laptop, e sim, que havia fortes suspeitas. Coube à mídia, no afã para assegurar que Trump fosse derrotado, divulgar uma falsa versão de que os documentos (dos e.mails) se tratavam de fato de desinformação russa.
Glenn relembra que se demitiu do Intercept quando o veículo se negou a publicar a análise que escrevera sobre os arquivos do laptop. A campanha de desinformação na mídia também foi usada pelas Big Techs para justificar uma severa censura nos relatos ou discussões sobre o assunto.
É irônico que um jornalista do Político, o mesmo veículo que iniciara a campanha sobre desinformação russa, tenha publicado um livro em que afirma categoricamente que os arquivos são genuínos. Em seu livro de setembro de 2021, Ben Schreckinger afirmou que eram autênticos os principais e.mails em que o New York Post se baseara para fazer as matérias sobre a corrupção da família Biden. Os editores do Político reconheceram, na ocasião, que livro apresentava evidências de que parte relevante do material do laptop é genuína.
Ainda em seu artigo de março de 2022, Glenn relata que a mídia corporativa optou por ignorar a publicação do livro. Ele ressaltou que o New York Times não aderira à campanha de desinformação que tomara conta da mídia corporativa. Antes das eleições de 2020, o NYY publicou que “não existe evidência concreta de que o laptop contenha desinformação russa”.
Também em março de 2022, o Times publicou sobre as investigações conduzidas pelo FBI nas atividades do Hunter Biden. No artigo, o NYT reconhece que a autenticidade dos e.mails teria sido confirmada por especialistas.
Cabe observar que o recente artigo do New York Post, contendo as declarações de Morell, não mencionou que a maior parte das especialistas de inteligência que assinaram a tal carta pertencem à empresa Beacon Global Strategies, uma firma de consultoria estratégica, especializada em política internacional, defesa, cibernética, inteligência, e segurança interna.
Consta no site da empresa que seus fundadores e diretores prestaram anos de serviço à Casa Branca, Departamento de Estado, Departamento de Defesa, CIA, Departamento de Justiça e no Capitólio.
Mas o envolvimento da Beacon Strategies com o Partido Democrata é anterior à polêmica sobre o laptop. O jornalista investigativo do Intercept, Lee Fang, publicou em seu twitter que oficiais da empresa estiveram envolvidos em 2016 em um esquema montado pela campanha presidencial de Hillary Clinton para prejudicar Bernie Sanders nas primárias, divulgando que ele, se eleito presidente, traria riscos à segurança nacional dos EUA.
A propósito, o Washington Post já publicou um artigo em que minimiza a relevância “da mais recente teoria sobre o laptop de Hunter Biden”. O fato inegável é que a acusação que caiu sobre a Rússia, de interferência nas campanhas presidenciais norte-americanas em 2016 e 2020, contribuiu para acirrar o sentimento anti-russo na população. Isso se reflete em apoio ao belicismo do governo Biden, na guerra por procuração que o país e seus aliados travam contra os russos na Ucrânia.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável peloblogue Chacoalhandoe pelo programa deentrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando.
A reposição dos suprimentos de munição de artilharia não poderá ser mantida pelo Ocidente no ritmo necessário para conter os russos.
Os Estados Unidos já enviaram à Ucrânia mais de 1 milhão de munições de artilharia para obuses de 155mm \ Foto: Brendan McDermid/Reuters
Passados mais de 12 meses desde entrada massiva de tropas russas em território ucraniano surgem novos esforços de mediação, na busca de um acordo negociado de paz. China e Brasil se propõem a atuar neste sentido, mas seus esforços podem estar fadados ao fracasso, antes mesmo de serem promovidas reuniões entre representantes das partes em conflito. Como também fracassou a tentativa anterior promovida pela Turquia, meses atrás.
De um lado, Kiev não tem autonomia para buscar negociações, ficando sujeita às decisões do governo estadunidense, que não demonstra estar minimamente interessado na paz. Do outro, Putin não acredita mais em qualquer aceno de negociações que venha do Ocidente, haja vista a farsa do Acordo de Minsk, que fora avalizado no Conselho de Segurança da ONU.
A Rússia foi engabelada por 8 anos, enquanto a OTAN rearmava e treinava as forças armadas ucranianas, como foi reconhecido recentemente por diversas lideranças dos países que atuaram como garantidores do Acordo.
Fortalecida militarmente, a Ucrânia intensificou seus ataques à região de influência russa no Donbass, leste do país, culminando em 24 de fevereiro de 2022 com o que Putin denominou de Operação Especial. A intervenção das tropas russas no território ucraniano representou a escalada dos confrontos bélicos iniciados em 2014, na sequência do golpe de Maidan orquestrado por Washington.
Agora, só a vitória no campo de batalha interessa a Putin, e esta está bem próxima, segundo o analista Scott Ritter*, apesar do armamento moderno que vem sendo enviado à Ucrânia pelo Ocidente Coletivo, em sua guerra por procuração contra a Rússia. Para os EUA e seus aliados, as mortes de dezenas de milhares de ucranianos e destruição da infraestrutura da Ucrânia é um mero detalhe, na busca pelo enfraquecimento da Rússia e de uma eventual derrubada do regime de Putin.
Scott Ritter classifica o momento atual da guerra como de conquista de posições logísticas. Tropas russas e ucranianas têm uma linha de contato definida, e bem fortificada de ambos os lados. O chamado complexo de Bakhmut-Soledar é o nó górdio desta linha defensiva. Sua queda representaria o desbaratamento completo da defesa ucraniana.
Conforme relata Ritter, o governo ucraniano decidiu que não vai se retirar de Bakhmut e construir uma nova linha defensiva em um terreno mais alto, que seria, portanto, mais defensável. Desta forma, Bakhmut se tornou a batalha decisiva da guerra, avalia. O próprio Zelensky reconhece sua tomada resultaria na completa ocupação do Donbass pela Rússia.
Ritter é didático na explicação: os combatentes dos dois lados estão espalhados ao longo de toda a linha de contato, mas o número de tropas ucranianas é finito. Com a queda de Bakhmut, a frente de contato ampliaria dramaticamente. Os ucranianos não possuem mais tropas de reserva para fechar a linha de contato, ao contrário da Rússia, que possui ainda algo como 120 a 200 mil reservistas em treinamento para entrar no campo de batalha. Se Minsk transferir tropas de outras frentes, estará enfraquecendo as defesas como um todo.
Então a queda de Bakhmut representaria o começo do fim da guerra, sentencia o ex-oficial de inteligência dos marines norte-americanos, já que a matemática militar está a favor na Rússia. No entanto, Ritter não incluiu em sua equação a possibilidade de países do Ocidente Coletivo enviar militares para combaterem sob contrato, como mercenários, para tentar manter incólumes as linhas de defesa ucranianas, ou mesmo promover novas ofensivas.
Em entrevista ao jornalista Aaron Maté, o ex-conselheiro sênior do Pentágono Doug McGregor, coronel aposentado do exército estadunidense, revelou que 20 mil poloneses já lutam sob ordens do comando ucraniano, usando uniforme ucraniano; já teriam morrido 2.500 poloneses nos combates. Mas a equação das munições de artilharia também precisa ser resolvida.
Até o momento, a melhor qualidade dos armamentos de artilharia do exército ucraniano, com munição de 155mm, associada à inteligência fornecida pelos EUA, vem conseguindo se contrapor ao alto poder de fogo do exército russo. Entretanto, o próprio secretário-geral da aliança militar, Jens Stoltenberg, já alertou que a intensidade do conflito está consumindo munição mais rapidamente do que EUA e OTAN podem repor, conforme noticiado no site Forças Terrestres.
Com alguns aliados dos EUA relutantes ou incapazes de fornecer munição suficiente para a Ucrânia, os EUA estão procurando obter suprimentos de munição em vários locais, incluindo Israel, Coréia do Sul, Alemanha e Kuwait. No entanto, a reposição da munição de artilharia poderá não ser mantida pelo Ocidente no ritmo necessário para conter os russos. Ritter considera que a escassez deverá ocorrer ao mesmo tempo em que a frente de contato dos dois exércitos se expandirá com queda esperada de Bakhmut.
Ainda segundo Ritter, o terceiro componente nesta etapa decisiva é confronto travado no ar. De um lado, o sistema de defesa aérea da Ucrânia. Do outro, os mísseis de longa distância lançados pela Rússia, sejam terra-terra, lançados do mar ou do ar, como os mísseis cruzeiro. Em particular, a Rússia conta com o míssil hipersônico Kinzhal-47M2, com capacidade nuclear e alcance de até 2 mil quilômetros
Quando os russos começaram a campanha aérea estratégica eles conseguiram infligir sérios danos à infraestrutura da Ucrânia, em particular a de geração de energia. A OTAN reforçou a defesa antiárea ucraniana contra mísseis e drones russos com o sistema norueguês NASAMS (National/Norwegian Advanced Surface to Air Missile System), e com o avançado sistema terra-ar norte-americano, o MIM-104 Patriot.
Começou então um jogo de gato e rato, com os russos testando e avaliando as defesas da Ucrânia, de forma sucessiva, até que finalmente conseguiram desvendar o esquema de funcionamento da defesa antiaérea ucraniana. Foram então lançados 6 drones e 81 mísseis, incluindo 6 mísseis Khinzal, boa parte deles atingindo os alvos pretendidos. A defesa antiaérea ucraniana teria conseguido destruir 34 mísseis cruzeiro e 4 drones suicida Shahed. Nenhum Khinzal foi interceptado.
Se até recentemente o uso dos mísseis hipersônicos russos no conflito era bastante comedido, agora que a Rússia conseguiu triplicar sua produção, não há nada que os ucranianos possam fazer para detê-los, sentencia Ritter. Conforme os russos incorporam mais mísseis hipersônicos ao seu arsenal, o sistema de defesa antiaérea da Ucrânia irá colapsar.
Em Washington, vozes mais belicistas, como a senador republicano Lindsey Graham, defendem o envio dos modernos caças F-16 à Ucrânia, para dar apoio aos tanques M1 Abraham – com entrega prevista pelos EUA apenas para o final do ano – de forma a possibilitar uma ofensiva que corte a ligação terrestre da Rússia com a Crimeia através do Donbass, o que abalaria o prestígio interno de Putin. No entanto, antes do final do ano o destino da Ucrânia poderá já estar selado.
Segundo avalia Ritter, em paralelo com a destruição completa do poder militar da Ucrânia ocorrerá o colapso da economia do país e do governo de Zelensky, e isto deverá ocorrer no máximo até setembro ou outubro próximos. Quando finalmente ocorrerem as negociações de paz, Kiev e o Ocidente poderão se perguntar se não teria sido melhor, anos antes, terem levado adiante os Acordos de Minsk.
*Scott Ritter é ex-oficial de inteligência do Corpo de Marines dos EUA, tendo servido na antiga União Soviética, implementando tratados de controle de armas; no Golfo Pérsico, durante a Operação Tempestade no Deserto; e no Iraque, na supervisão do desmantelamento das armas de destruição em massa. O seu livro mais recente é Disarmament in the Time of Perestroika, pela Clarity Press.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável peloblogue Chacoalhandoe pelo programa deentrevistasAgenda Mundo, no canal da TV GGN.
Agora existe a possibilidade de criaturas microscópicas serem produzidas em laboratórios avançados, criadas por cientistas que poderão desencadear forças que não sejam capazes de controlar.
Ilustração digital do vírus da Covid-19 \ Arte: Andriy Onufriyenko / Getty Image
O Retorno do vírus Frankenstein parece um nome sugestivo para um filme B róliudiano. No livro da autora Mary Shelley, de 1818, o dr. Frankenstein deu vida a uma criatura em seu laboratório, juntando partes de diferentes corpos humanos e fazendo passar uma forte descarga elétrica. Mas o cientista arrogante desencadeou forças que não conseguiu controlar, e não teve um final feliz e glorioso.
O filme de 1931, com Boris Karloff no papel da criatura produzida em laboratório, se tornou um cult do terror. Na minha infância, assistir ao filme me fazia ver à noite, estranhas e ameaçadoras sombras na parede do meu quarto.
Agora existe a possibilidade de criaturas microscópicas serem produzidas em laboratórios avançados, criadas por cientistas que poderão desencadear forças que não sejam capazes de controlar.
Existe a suspeita de que o vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, foi produzido em um laboratório na China, com a colaboração de pesquisadores e verbas dos EUA. Em março de 2018, foi apresentada pela EcoHealth Alliance (EHA), pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan e da Universidade da Carolina do Norte uma solicitação de fundos à agência de pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA.
O projeto consistia em alterar o código genético dos coronavírus de morcegos para inserir precisamente uma característica que faz parte do vírus SARS-CoV-2, conforme relatado em artigo dos professores Jeffrey Sachs e Neil Harrison, ambos da Universidade de Columbia. Embora a verba não tenha sido aprovada, a pesquisa pode ter prosseguido através de outros apoios financeiros.
Pesquisas de Ganho de Função
Nos estudos de ganho de função, vírus, bactérias ou outros patógenos são criados em laboratório, visando alcançar uma atividade maior que aquela observada na natureza, se tornando mais fatais ou contagiosos. A justificativa para tais pesquisas seria criar, preventivamente, novas vacinas e tratamentos, antecipando o surgimento por mutação de cepas mais potentes de um determinado patógeno. No entanto, caso escapassem do laboratório, algumas formas devastadoras de vírus poderiam se disseminar pelo mundo .
Tais tipos de estudo foram conduzidos há cerca de 10 anos com o vírus influenza H5N1, com fundos dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), setor do governo estadunidense responsável pelo financiamento da pesquisa biomédica.
Em 2014, o governo norte-americano baniu temporariamente pesquisas de ganho de função no vírus da gripe, e nos coronavírus MERS e SARS. O banimento foi suspenso em 2017, quando foram emitidas pelo DHSS, o Departamento de Saúde dos EUA, diretrizes para pesquisas envolvendo patógenos que apresentem risco potencial de causar pandemias, mas faltaria supervisão e fiscalização, e mesmo compreensão dos riscos envolvidos, por parte dos pesquisadores, segundo relatado em artigo no New York Times.
Um artigo publicado na Time,em outubro de 2022, relata a controvérsia gerada com a pré-publicação (preprint) por cientistas da Universidade de Boston, do experimento no qual alteraram a variante Omicron do vírus da Covid-19. A universidade alegou, no entanto, que as pesquisas não envolveram ganho de função e que a versão criada do vírus era 20% menos letal em ratos de laboratório do que a cepa original. Além disso, segundo o comunicado, não haviam sido utilizadas verbas do governo federal, e por este motivo não seria necessário notificar o NIH.
Nas palavras do professor David Ho, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Columbia, “existe uma área cinzenta no que diz respeito à fiscalização deste tipo de pesquisa”. Ele considera que a pesquisa da Universidade de Boston está no limite de ser caracterizada como ganho de função. As instruções para os cientistas de quais são estes limites não estão claras. Acrescente-se que se as pesquisas não forem financiadas pelo governo elas não precisam seguir as regras oficiais.
Ainda segundo o New York Times, a própria Federal Drug Administration (FDA), que é responsável pelo controle de alimentos e de setores da saúde nos EUA, parece ter apoiado pesquisas situadas nesta zona cinzenta. Em setembro de 2022, cientistas da instituição publicaram um artigo em que descrevem experimentos conduzidos em ratos, quando foi introduzido o coronavírus que fora manipulado para carregar a proteína spike da variante Omicron.
A agência alegou que não se tratou da criação de um vírus novo, e assim não estaria sujeita às diretrizes. No entanto, na opinião de especialistas independentes, mesmo se a intenção dos pesquisadores não é criar um vírus mais perigoso, a experiência não poderia passar por cima dos procedimentos de aprovação. Experimentos desta natureza foram feitos em outras universidades dos EUA.
A Pfizer na berlinda
A poderosa farmacêutica Pfizer virou a bola da vez da controvérsia sobre pesquisas de ganho de função. A Pfizer teria planejado conduzir pesquisas de manipulação genética no vírus SARS-CoV-2, para criar vírus mais potentes. A motivação da farmacêutica seria manter a dianteira na disputa pelo desenvolvimento de vacinas para a Covid-19, sabidamente a galinha dos ovos de ouro da empresa.
A controvérsia foi ainda maior porque a denúncia partiu do grupo de extrema-direita Projeto Veritas, através de uma gravação de vídeo em que um alto executivo da Pfizer aparenta reconhecer que a empresa discutira a possibilidade de realizar tais pesquisas.
O grupo estadunidense Veritas foi fundado em 2010 pelo ativista político James O’Keefe, e é conhecido por propagar desinformação e teorias conspiratórias, inclusive através de manipulação na edição de vídeos. Como não foi divulgada a íntegra da gravação, mas apenas dois vídeos editados, com cerca de dez minutos cada, fica impossível afirmar se ocorreu ou não qualquer deturpação no sentido das falas durante a edição. Assim, as revelações que constam da gravação deveriam ser vistas com muita cautela, mas não ignoradas, segundo analistas do programa Rising, no The Hill, possivelmente o canal mais prestigioso no meio político norte-americano.
Apesar de faltar credibilidade ao Projeto Veritas, parece não haver dúvidas que Jordan Tristan Walker estivesse de fato ocupando, na ocasião da gravação, o cargo de Diretor de Operações Estratégicas em P&D da Pfizer. Isso porque, no comunicado emitido pela Pfizer, afirmando que “não realizou pesquisas de ganho de função ou de evolução”, a empresa não negou em momento algum que Walker ocupasse o cargo de diretoria que fora explicitado no vídeo da gravação.
Sem saber que estava sendo gravado durante uma conversa de mesa de com um jornalista que ocultara sua identidade, Walker fez declarações altamente controversas sobre pesquisas de manipulação genética que a Pfizer pretenderia realizar. Algumas declarações parecem mesmo sugerir que tais experimentos já estariam ocorrendo, embora em outros momentos Walker declare que ocorreram apenas discussões sobre o assunto.
Durante a conversa com seu colega de copo, Walker se mostrou bastante animado, parecendo já ter ingerido uma boa dosagem de álcool. Em dado momento, perguntado sobre o que a Pfizer está fazendo para otimizar as vacinas, a resposta foi: “Bem, uma das coisas que estamos explorando é porque não fazemos nós mesmos as mutações, de forma a que possamos desenvolver preventivamente novas vacinas…. Vai existir um risco.” E continuando: “Como você pode imaginar, ninguém quer empresas farmacêuticas fazendo mutações em vírus filhos da p***.”
O jornalista perguntou a Walker como as pesquisas seriam realizadas. A resposta foi: “Primeiro em animais vivos….Prometa que não vai contar a ninguém. O modo como estamos pensando é colocar o vírus em macacos e fazer com que eles continuem se infectando uns aos outros….Para ser honesto, suspeito que foi dessa forma que o vírus começou em Wuhan.”
Quando foi perguntado sobre pesquisas de ganho de função, Walker se mostrou desconfiado que pudesse estar sendo gravado, mas mesmo assim ele prosseguiu nos relatos, talvez incentivado pelo álcool.
Walker respondeu que “a Pfizer, definitivamente, não faz pesquisas de ganho de função, mas que atualmente há pesquisas em andamento sobre mutações de estruturas selecionadas, para ver se conseguimos torná-las mais potentes”. E acrescentou: “Não sei como isso vai funcionar. É melhor que não ocorram mais surtos, porque….Jesus Cristo!”
Em dado momento, o jornalista se ausentou da mesa e entrou em cena o diretor do Projeto Veritas, James O’ Keefe, que confrontou Walker sobre a Pfizer querer esconder do público que está pretendendo fazer pesquisas de mutação genética. Walker alegou que tinha inventado mentiras para impressionar seu acompanhante de mesa, no terceiro encontro que mantinham.
A entrada em cena de O’Keefe causou forte abalo em Walker. Suas reações passaram da surpresa inicial, à indignação, desespero, raiva, violência. Walker chegou a ligar para a polícia, mas o pessoal do Veritas não esperou pela chegada da polícia.
Alguém que assista aos dois vídeos pode se perguntar se tudo não passaria de um grande teatro, e que Walker pudesse ser, na verdade, um ator encenando o papel que lhe foi atribuído, em mais uma Fake News produzida pelo Projeto Veritas. No entanto, o comunicado da Pfizer não negou que Walker tivesse um cargo de diretoria na empresa.
Ainda sobre o comunicado da Pfizer emitido em 27 de janeiro, a empresa afirma que “não realizou pesquisa de ganho de função ou de evolução”, e que o trabalho de pesquisa conduzido visa avaliar rapidamente a capacidade de uma vacina existente de induzir anticorpos que neutralizem uma variante que possa causar preocupação.
A Pfizer ressaltou também que “vale a pena observar que o Projeto Veritas, embora afirme conduzir jornalismo investigativo, tem uma longo histórico de recorrer a táticas eticamente duvidosas e editar vídeos de forma enganosa, para se encaixar em uma narrativa conservadora”.
Em artigo anterior publicado no blogue Chacolhando podem ser acessados os links para a íntegra dos dois vídeos disponibilizados pelo Projeto Veritas, de onde foram tirados os trechos dos diálogos que constam do atual artigo.
E quanto a nós, expectadores de um seriado em que nossos destinos são decididos em reuniões secretas de empresas corporativas ou de órgãos de governos, só nos resta esperar pelo próximo episódio de O Retorno do Vírus Frankenstein?
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN.
É necessário ter muito controle, para se certificar de que este vírus mutante simplesmente não se espalhe por todos os lugares.
O uso de manipulação genética pela Pfizer no desenvolvimento de vacinas contra novas variantes do vírus SARS-CoV-2 gera fortes controvérsias \ Foto: Sigrid Gombert/Getty Images
A farmacêutica Pfizer está planejando conduzir experimentos de manipulação genética no vírus SARS-CoV-2. Uma gravação de vídeo foi obtida de forma oculta por um jornalista disfarçado, ligado ao Projeto Veritas. Em certo momento, o Diretor de Operações Estratégicas em Pesquisa e Desenvolvimento da empresa, Jordan Tristan Walker, declarou que a razão para a Pfizer querer promover a mutação do vírus é para poder ficar na dianteira, na disputa do desenvolvimento de vacinas para a Covid-19.
O Projeto Veritas consiste de um grupo estadunidense de extrema-direita, fundado em 2010 pelo ativista político James O’Keefe, e que propaga desinformação e teorias conspiratórias, inclusive através de manipulação na edição de vídeos. No atual caso, a Veritas recorreu uma vez mais ao seu modus operandis, mas seria necessário se ter acesso ao vídeo completo, para confirmar se ocorreu ou não qualquer deturpação nas falas da pessoa, que é tudo indica ser de fato um alto executivo da Pfizer.
Sem se dar conta de que estava sendo gravado o tempo todo durante o animado papo em mesa de bar, Walker fez declarações altamente controversas sobre experimentos de manipulação genética que a Pfizer pretenderia conduzir. Algumas das declarações parecem sugerir que tais experimentos já estariam sendo realizados, embora em outras ele tenha afirmado que ocorreram apenas discussões sobre o assunto. O executivo se mostrava bastante animado durante a conversa, até mesmo eufórico, parecendo já ter ingerido uma boa dosagem de álcool.
Em dado momento, James O’ Keefe entrou em cena para confrontar Walker sobre suas declarações, de que a Pfizer quer esconder do público que está pretendendo fazer experimentos de mutação genética. De início, Walker alegou que contara mentiras “para tentar impressionar a pessoa (com quem conversava) no encontro (o jornalista disfarçado)”. No entanto, em dado momento, ele tentou destruir o iPad pertencente ao Veritas e desferiu socos no jornalista (ver vídeo). As cenas impressionam. Não me parece que tudo tenha sido um grande teatro, montado para criar e divulgar Fake News.
As polêmicas declarações
Seguem-se algumas das declarações de Walker que constam da gravação.
-“Bem, uma das coisas que estamos explorando é porque não fazemos, nós mesmos, as mutações, de forma a que possamos preventivamente desenvolver novas vacinas”….Se fizermos aquilo, vai existir um risco. Como você pode imaginar, ninguém quer empresas farmacêuticas fazendo mutações em vírus filhos da p***.”
– “Bem, não vamos dizer isso ao público”, declarou Walker, quando instado pelo jornalista disfarçado a falar mais sobre o plano da farmacêutica para fazer a mutação do vírus. “Não conte a ninguém. Prometa que você não vai contar a ninguém. O modo como funcionaria é colocarmos o vírus em macacos e, sucessivamente, fazer com que eles continuem se infectando uns aos outros, e (então) coletamos amostras deles.”
-“É preciso ter muito controle para se certificar de que este vírus mutante simplesmente não se espalhe por todos os lugares. Para ser honesto, suspeito que foi desta forma que o vírus começou em Wuhan.”
-“Definitivamente, não se trata de (pesquisa de) ganho de função*”. Esta foi a resposta de Walker, ao ser questionado sobre o assunto pelo “jornalista”, que não se deu por satisfeito e voltou a insistir no tema.
“Bem, não se deve fazer pesquisas de ganho de função com vírus. Eles preferem que não façamos, mas nós fazemos mutações de estruturas selecionadas, para ver se conseguimos torná-las mais potentes. Há pesquisas em andamento sobre isso. Não sei como isso vai funcionar. É melhor que não ocorram mais surtos, porque….Jesus Cristo!”
“Bem, eles ainda estão conduzindo os experimentos, mas pelo que eu ouvi, eles estão otimizando, mas estão indo devagar porque todos são muito cautelosos. Obviamente, (os pesquisadores) não querem acelerar muito. Eu acho que também estão apenas tentando fazer isso como algo exploratório, porque você obviamente não quer anunciar que se está antecipando mutações futuras”. Esta foi a resposta de Walker ao ser questionado como estava sendo desenvolvido no geral, o processo de mutação do vírus.
Jordan Walker também disse que a Pfizer tem sido uma porta giratória para os funcionários do governo que estão encarregados de regular os medicamentos, acrescentando: “eles não vão ser rígidos com a farmacêutica onde irão (mais tarde) conseguir emprego”, confessou.
Comunicado da Pfizer
A Pfizer emitiu um comunicado na noite do dia 27, em que afirma que a empresa “não realizou pesquisa de ganho de função ou de evolução”. A empresa afirma que o trabalho de pesquisa que é conduzido visa avaliar rapidamente a capacidade de uma vacina existente de induzir anticorpos que neutralizem uma variante que possa causar preocupação.
A Pfizer declarou também que “vale a pena observar que o Projeto Veritas, embora afirme conduzir jornalismo investigativo, tem uma longa história de recorrer a táticas eticamente duvidosas e editar vídeos de forma enganosa, para se encaixar em uma narrativa conservadora”.
Concluindo
A Pfizer já teve sua credibilidade comprometida em ocasiões anteriores, como no caso das denúncias feitas pelos Médicos Sem Fronteiras, de que a empresa estava enganando o público com anúncios publicitários falsos. Outra polêmica surgiu a partir da denúncia contida em artigo publicado no conceituado British Medical Journal, em 2 de novembro de 2021, de que teriam sido cometidas várias irregularidades nos procedimentos adotados para verificar a eficácia e a segurança da vacina contra a Covid-19 produzida pela Pfizer. Os testes haviam sido conduzidos por uma empresa subcontratada, Ventavia Research Group.
No caso das revelações atuais, analistas mais cautelosos ressaltaram que gostariam de ter acesso à gravação completa, e não apenas à versão editada do vídeo, liberada em 26 de janeiro pela Veritas. Espera-se que os fatos sejam esclarecidos, e que a grande influência que a Pfizer tem nos meios de comunicação não seja um empecilho para tanto.
Nota:
*A pesquisa por ganho de função envolve manipulação genética, de forma a aumentar as funções biológicas dos produtos genéticos. Tal pesquisa é conduzida com a expectativa de se desenvolver vacinas antes do surgimento de um novo vírus ou variante, mas sempre existe o risco de acidentes com patógenos aprimorados que possam causar ampla disseminação do vírus.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN.
Tradução e comentários por Ruben Rosenthal, do artigo publicado em 11 de janeiro de 2023 noConsortium News.
Dado o histórico enganoso dos Acordos de Minsk, é improvável que a Rússia possa ser dissuadida através de diplomacia a abrir mão de sua ofensiva militar. Assim, 2023 parece estar se configurando como um ano de confrontação violenta constante.
Disparos da artilharia ucraniana pelo controle da região de Bakhmut, leste da Ucrânia, novembro 2022 \ Foto: Bulent Kilic/AFP via Getty Images
Depois de quase um ano de ações dramáticas, onde os avanços iniciais dos russos foram recebidos com impressionantes contraofensivas ucranianas, as linhas de frente no conflito em curso se estabilizaram, com ambos os lados envolvidos em sangrentos combates por posições, em uma brutal disputa de desgaste, enquanto aguardam pela próxima grande iniciativa de algum dos lados.
À medida que o aniversário de um ano da invasão da Ucrânia pela Rússia se aproxima, o fato de a Ucrânia ter chegado tão longe no conflito representa uma vitória moral e, em menor grau, militar. Assim como a chefia do Estado-Maior Conjunto dos EUA e a direção da CIA, a maioria dos altos oficiais militares e de inteligência do Ocidente avaliou no início de 2022 que uma grande ofensiva militar russa contra a Ucrânia resultaria em uma rápida e decisiva vitória russa.
A resiliência e a fortaleza dos militares ucranianos surpreenderam a todos, mesmo aos russos, cujo plano de ação inicial, incluindo a alocação de forças para o empreendimento, se mostrou inadequado para alcançar os objetivos pretendidos. Entretanto, é enganadora a percepção de uma vitória ucraniana.
Morte da diplomacia
Conforme a poeira assenta no campo de batalha, emerge um padrão em relação à visão estratégica por trás da decisão da Rússia de invadir a Ucrânia. Enquanto a narrativa ocidental dominante continuava a retratar a ação russa como um ato precipitado de agressão não provocada, surgiram fatos que sugerem que pode ter mérito a alegação russa de autodefesa coletiva preventiva, conforme o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas
De acordo com esta “troika”, os Acordos de Minsk foram pouco mais do que um meio de se ganhar tempo para que a Ucrânia pudesse construir, com ajuda da OTAN, um poder militar capaz de subjugar o Donbass e expulsar a Rússia da Crimeia.
Presidente russo Vladimir Putin, Presidente francês François Hollande, Chanceler alemã Angela Merkel, Presidente ucraniano Petro Poroshenko: conversações no formato da Normandia em Minsk, Bielorrússia, Fevereiro de 2015 \ Fonte: Kremlin
Por esta ótica, o estabelecimento pelos EUA e pela OTAN de uma instalação permanente de treinamento no oeste da Ucrânia – onde foram treinados pelos padrões da OTAN cerca de 30 mil soldados ucranianos entre 2015 e 2022, com o único propósito de confrontar a Rússia no leste da Ucrânia – assume uma perspectiva totalmente nova.
A duplicidade admitida por Ucrânia, França e Alemanha contrasta com a insistência da Rússia, antes de sua decisão de 24 de fevereiro de 2022 de invadir a Ucrânia, de que os Acordos de Minsk fossem implementados na íntegra.
Em 2008, o ex-embaixador dos EUA na Rússia e atual diretor da CIA, William Burns, alertou que qualquer tentativa de ingresso da Ucrânia na OTAN seria visto pela Rússia como uma ameaça à sua segurança nacional, e que a determinação em concretizar tal filiação provocaria uma intervenção militar russa. O memorando de Burns fornece o contexto em que se deram as iniciativas da Rússia, de 17 de dezembro de 2021, de criar uma nova estrutura de segurança europeia, que manteria a Ucrânia fora da OTAN.
Simplificando, a meta da diplomacia russa foi de evitar o conflito. O mesmo não se pode dizer da Ucrânia ou de seus parceiros ocidentais, que buscaram uma política de expansão da OTAN, associada à resolução das crises do Donbass e da Crimeia através de meios militares.
A reação do governo russo ao fracasso de seus militares em derrotar a Ucrânia nas fases iniciais do conflito, fornece uma importante entendimento sobre o modo de pensar da liderança russa, em relação às suas metas e objetivos.
Negada uma vitória decisiva, os russos pareciam dispostos a aceitar um resultado que limitava os ganhos territoriais russos ao Donbass e à Crimeia, e a um acordo para a Ucrânia não aderir à OTAN. De fato, a Rússia e a Ucrânia estiveram à beira de formalizar um acordo nesse sentido, nas negociações programadas para ocorrer em Istambul, no início de abril de 2022.
No entanto, esta negociação naufragou após a intervenção do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que condicionou a continuidade da assistência militar à Ucrânia, à disposição de Kiev em buscar a resolver o conflito no campo de batalha, em oposição a uma solução negociada. A intervenção de Johnson foi motivada pela avaliação, por parte da OTAN, que os fracassos iniciais dos militares russos eram indicativos de fraqueza.
O objetivo da OTAN foi de usar o conflito russo-ucraniano como uma guerra por procuração destinada a enfraquecer a Rússia, para que esta nunca mais procurasse empreender uma aventura militar semelhante à da Ucrânia. Associada à malfadada guerra econômica, o objetivo também foi remover Putin do poder, como admitido pelo presidente Joe Biden em março de 2022.
Reviravolta no jogo não traz vitória ucraniana
Os objetivos da OTAN se refletem nas declarações públicas de seu secretário-geral, o general Jens Stoltenberg: “Se Putin vencer, isso não significará apenas uma grande derrota para os ucranianos, mas também derrota e perigo para todos nós”. E também do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin: “Queremos ver a Rússia enfraquecida, ao ponto em que jamais poderá novamente fazer o tipo de coisas que fez ao invadir a Ucrânia”.
Esta política serviu de impulso para injetar mais de 100 bilhões de dólares em assistência, incluindo dezenas de bilhões em equipamentos militares avançados para a Ucrânia. A infusão massiva de ajuda foi um evento que mudou o jogo, permitindo que o exército ucraniano fosse reconstituído, treinado, equipado e organizado segundo os padrões da OTAN. A Ucrânia fez a transição de uma postura principalmente defensiva para outra em que foram lançados contra-ataques em larga escala, que conseguiram expulsar as forças russas de grandes áreas da Ucrânia. Não foi, no entanto, uma estratégia que ganharia o jogo – longe disso.
As impressionantes realizações militares dos ucranianos, facilitadas através da prestação de ajuda militar pela OTAN, tiveram um enorme custo em vidas e materiais. Embora o cálculo exato das baixas sofridas por ambos os lados seja difícil de determinar, há um reconhecimento generalizado, mesmo dentro do governo da Ucrânia, de que as perdas ucranianas foram pesadas.
Matemática Militar
Com as linhas de batalha atualmente estabilizadas, a questão de qual lado do conflito a guerra vai favorecer a partir de agora se resume à matemática militar básica. Em suma, uma relação causal entre duas equações básicas que giram em torno das taxas de queima (com que rapidez as perdas ocorrem) versus as taxas de reabastecimento (com que rapidez essas perdas são repostas). O cálculo traz um mau presságio para a Ucrânia.
Nem a OTAN nem os Estados Unidos parecem capazes de sustentar a quantidade do armamento já entregue à Ucrânia, e que permitiu que as contraofensivas contra os russos fossem bem-sucedidas.
Estes equipamentos foram em grande parte destruídos e, apesar da insistência da Ucrânia em obter mais tanques, veículos de combate blindados, artilharia e defesa aérea, e de que a nova ajuda militar seja provável, esta demorará a chegar e virá em quantidade insuficiente para ter um impacto decisivo no confronto bélico.
Da mesma forma, o número de vítimas sofrido pela Ucrânia, que às vezes chegou a mais de mil homens por dia, excede em muito a sua capacidade de mobilizar e treinar substitutos. A Rússia, por outro lado, está no processo de finalizar a mobilização de mais de 300 mil homens, que parecem estar equipados com os sistemas de armas mais avançados do arsenal russo.
Quando a totalidade dessas forças estiver no campo de batalha – em algum momento até o final de janeiro – a Ucrânia não terá resposta. Esta dura realidade, quando combinada com a anexação pela Rússia de mais de 20% do território da Ucrânia e danos à infraestrutura que se aproximam de 1 trilhão de dólares, traz um mau presságio para o futuro da Ucrânia.
Há um velho ditado russo que diz: “Um russo põe a sela devagar, mas cavalga rápido”. Isso parece ser o que está acontecendo em relação ao conflito russo-ucraniano.
Tanto a Ucrânia quanto seus parceiros ocidentais estão lutando para manter um conflito que iniciaram quando rejeitaram um possível acordo de paz em abril de 2022. A Rússia conseguiu se reagrupar em grande parte – após um período na defensiva – e parece estar pronta para retomar as operações ofensivas em larga escala, para as quais nem a Ucrânia e nem seus parceiros ocidentais terão uma resposta adequada.
Além disso, dado o histórico enganoso dos Acordos de Minsk, é improvável que a Rússia possa ser dissuadida através da diplomacia a abrir mão de sua ofensiva militar. Assim, 2023 parece estar se configurando como um ano de confrontação violenta constante, que levará a uma vitória militar russa decisiva.
Como a Rússia alavancará tal vitória militar para obter um acordo político sustentável que resulte em paz e segurança regionais é outra história, ainda a ser vista.
Comentários do tradutor: Resta ver se a antecipação feita por Scott Ritter de uma decisiva vitória russa leva em conta a determinação dos países aliados da Ucrânia de que este cenário não se concretize. Cedendo a pressões de Kiev e de seus aliados, a Alemanha anunciou em 25 de janeiro que enviará 14 tanques de guerra do tipo Leopard-2-A6, provenientes do arsenal da Bundeswehr, as Forças Armadas do país, para reforçar a Ucrânia na luta contra as tropas russas. A Alemanha também autorizou que parceiros europeus possam repassar seus tanques Leopard à Ucrânia, de forma a montar rapidamente dois batalhões com estes blindados. Por outro lado, os Estados Unidos vão enviar tanques Abrams M1 para a Ucrânia, embora possa levar meses até que a entrega seja feita.
Assim, os cenários para a guerra na Ucrânia em 2023 podem não estar ainda definidos. A única certeza é o aumento no número de mortes de civis e militares dos dois lados. Lembrando que os 300 mil russos que foram recrutados para o campo de batalha também são civis, que tiveram que deixar suas famílias para ajudar no esforço de guerra. Uma guerra sem fim entre OTAN e Rússia?
*Scott Ritter é ex-oficial de inteligência do Corpo de Marines dos EUA, tendo servido na antiga União Soviética, implementando tratados de controle de armas; no Golfo Pérsico, durante a Operação Tempestade no Deserto; e no Iraque, na supervisão do desmantelamento das armas de destruição em massa. O seu livro mais recente é Disarmament in the Time of Perestroika, pela Clarity Press.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN.
Tanto a Turquia como o Irã estão passando por períodos difíceis atualmente. Então, dá para entender por que seria do interesse de ambos os países desviar as atenções para um inimigo externo.
O Grande Curdistão: regiões em cinco países historicamente habitadas pelo povo curdo \ Arte: BBC/CIA
Em 20 de novembro a Turquia iniciou uma nova ofensiva contra grupos curdos na Síria, coincidindo com uma campanha aérea promovida pelo Irã contra o Curdistão iraquiano, engajando os curdos em combates nos dois lados da fronteira, em terras que constituem o chamado Grande Curdistão.
As ações da Turquia vêm na sequência do atentado em Istambul de 13 de novembro, que deixou cinco mortos e dezenas de feridos, cuja responsabilidade o governo turco atribuiu ao grupo combatente turco PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e à brigada YPG (Unidades de Proteção do Povo), esta com base na Síria. O PKK negou ter participado do atentado.
Já o governo iraniano responsabiliza os curdos pela incessante onda de protestos que se seguiu à morte da jovem curda Mahsa Amini, em 13 de setembro, enquanto estava sob custódia da “polícia da moralidade” da República Islâmica.
Os curdos sob ataque
A Turquia lançou o que chamou de “Operação Garra-Espada”, bombardeando várias regiões da Síria controladas pelos curdos. Um dos principais alvos atingidos foi a cidade de Kobane, no norte da Síria, que as forças curdas tomaram dos jihadistas do grupo Estado Islâmico em 2015. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, também ameaçou lançar em breve uma ofensiva terrestre no país.
Enquanto isso, o Irã está bombardeou o Curdistão iraquiano – acusando os movimentos curdos de fomentar a onda de protestos em todo o país que abalaram o regime desde que a jovem curda, Mahsa Amini, morreu sob custódia da “polícia da moralidade” da República Islâmica, em 13 de setembro.
A seguir é transcrita a entrevista concedida pelo sociólogo franco-iraquiano, Adel Bakawan, ao veículo de mídia estatal, France24. Bakawan é diretor do CFRI, o Centro Francês de Pesquisa sobre o Iraque, e pesquisador do IFRI, o Instituto Francês de Relações Internacionais.
France24: Os curdos estão sendo atacados tanto pela Turquia, na Síria, como pelo Irã, no norte do Iraque. Os dois países coordenaram suas ofensivas?
Bakawan: “Tanto a Turquia como o Irã estão passando por períodos difíceis atualmente. Então, dá para entender por que seria do interesse de ambos os países desviar as atenções para o inimigo externo. No entanto, não há evidências concretas de que Ancara e Teerã estejam trabalhando de comum acordo, embora isso não possa ser descartado.
A Turquia está atormentada por uma grave crise econômica, e Erdogan não está em uma posição muito confortável, à medida que as eleições presidenciais de junho de 2023 se aproximam. Então ele está em uma posição muito difícil em casa, e no exterior há constantes tensões diplomáticas com o Ocidente. No que diz respeito ao Irã, o movimento de protesto está abalando a República Islâmica, e não mostra sinais de desaparecer.
Tendo em mente que ambas as nações vêem suas populações curdas como ameaças à integridade territorial, os curdos se tornam o bode expiatório ideal para a Turquia e o Irã, em meio a suas respectivas crises.”
France24: Por que Erdogan está mirando nos curdos na Síria?
Bakawan: “Quanto mais nos aproximarmos das eleições presidenciais do próximo ano, mais Erdogan precisará unir seus apoiadores, apontando um inimigo que ameace a segurança, a estabilidade e a coesão nacional da Turquia. Isso permitirá que ele se apresente ao eleitorado como o salvador da Turquia, desviando a atenção do fraco desempenho da economia em seu governo. Por isso, ele designou um inimigo nos curdos sírios, cujo território é controlado pela afiliada local do PKK, classificado como organização terrorista pela União Européia pelos Estados Unidos, bem como pela Turquia.
Erdogan também está ansioso para fazer uso da crescente insatisfação (da população turca) pela presença de 3 milhões de refugiados sírios na Turquia, e que vem expressando este descontentamento de forma cada vez mais veemente. O presidente turco está tentando tirar proveito eleitoral desta questão. Em particular, Erdogan quer cumprir sua promessa – feita bem antes do ataque de Istambul, que ele está usando para justificar sua atual ofensiva na Síria – de criar uma zona tampão entre a Turquia e os vários territórios no norte da Síria controlados por grupos curdos.
Ao lançar uma ofensiva terrestre na cidade simbólica de Kobane, Erdogan será capaz de criar uma faixa ininterrupta de terra fora das zonas já ocupadas pelo exército turco e aliados. Ele quer enviar refugiados sírios para a parte do norte da Síria atualmente ocupada por curdos.”
France24: O que o Irã está tentando alcançar, atacando alvos curdos no Iraque?
Bakawan: “Apesar da feroz repressão, o governo iraniano não foi capaz de subjugar o movimento de protesto que surgiu em 16 de setembro. A República Islâmica tentou apresentá-lo como tendo origem étnica – uma agitação pela independência em partes do país habitadas pela minoria curda. O regime até tentou alegar que os protestos fazem parte de uma revolta sunita defendida pela Arábia Saudita, países ocidentais e pelo Governo Regional do Curdistão no Iraque (KRG), para desestabilizar o Irã xiita.
As tentativas de apresentar o movimento (curdo) como uma força étnica divisiva falharam porque os protestos ocorrem em todo o país. Não é como se eles estivessem acontecendo apenas em cidades curdas ou baluchi. E os manifestantes tomaram a jovem vítima curda, Mahsa Amini, como um símbolo nacional de sua luta, um ponto de referência unificador para a juventude do país.
Assim, porque a tentativa de semear uma divisão interna falhou, a República Islâmica está olhando para seus inimigos externos – Arábia Saudita, Israel e o Governo Regional do Curdistão. É claro que é mais fácil atacar o Curdistão iraquiano, onde o Partido Democrático Curdo do Irã (KDPI) e o revolucionário Partido Komala do Curdistão Iraniano mantiveram campos nas últimas três décadas. O Irã acusa esses dois grupos de incitar protestos em seu território.
Nos últimos dias, Teerã vem insistindo que o novo governo em Bagdá, dominado por facções pró-iranianas, pressione o KRG a expulsar o KDPI e o Partido Komala do Iraque.
E finalmente – olhando para isso de uma perspectiva cínica – os iranianos sabem perfeitamente que podem atacar o Curdistão iraquiano sem gerar muito protesto, seja de Bagdá ou do Ocidente.”
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, e responsável pelo blogue Chacoalhando.
A escalada do confronto entre OTAN e Rússia parece ter entrado em modo automático e irreversível, com consequências impossíveis de serem previstas.
O Relógio do Juízo Final ou do Apocalipse marca 100 segundos para a meia-noite
Os recentes ganhos de território pelas tropas ucranianas usando armamento avançado da OTAN, e os atos de sabotagem contra os gasodutos Nord Stream e possivelmente contra a ponte que conecta Rússia e Crimeia podem requerer uma resposta enérgica de Vladimir Putin. Moscou sabe, no entanto, que do ponto de vista político, o uso de armas nucleares táticas seria contraprodutivo no momento, e deverá reservar o seu uso como último recurso para não perder a guerra contra os Estados Unidos e seus aliados da OTAN.
Como os EUA não estão minimamente interessados em que Rússia e Ucrânia cheguem a um acordo de paz que não seja humilhante para a Rússia, o conflito nuclear se coloca como mais que uma remota possibilidade, 60 anos após a crise dos mísseis em Cuba, que deixou o mundo à beira do Armagedon.
Em retrospecto, na sequência da entrada de tropas russas para a Ucrânia em fevereiro, o Ocidente ampliou o boicote à economia russa com foco na energia, ao mesmo tempo em que promoveu o envio maciço de armamento sofisticado da OTAN para ser usado pelos ucranianos na frente de batalha.
Da mesma forma que já haviam bloqueado há anos a implementação dos acordos de Minsk, que concederiam certo grau de autonomia para as províncias ucranianas de Donetsk e Luhansk, os EUA e seus aliados sabotaram as negociações de paz entre Rússia e Ucrânia, quando estas começavam a avançar. O presidente Zelensky foi instado pelo então primeiro-ministro britânico Boris Johnson a não prosseguir com as negociações, quando se reuniram em Kiev, em abril.
A política de Washington e de seus aliados é perfeitamente coerente com estratégia de sobrecarregar a economia da Rússia, preconizada há anos no relatório da Rand Corporation, think tank financiado pelas forças armadas norte-americanas. Uma das formas propostas seria exatamente forçando o engajamento de tropas russas no exterior. Outra forma é comprometendo as receitas que a Rússia obtém através da venda de hidrocarbonetos.
No campo da energia, os gasodutos Nord Stream 1 e 2, construídos para abastecer a Europa com gás russo, foram sabotados em 26 de setembro, data em que foram registradas poderosas explosões por sismógrafos na Dinamarca e Suécia. O Nord Stream 2 já estava concluído, mas ainda não entrara em operação, por retaliação da Alemanha pela invasão russa, enquanto que o outro gasoduto encontrava-se em manutenção. Seguiram-se trocas de acusações entre a Rússia e países da OTAN sobre a responsabilidade pelo atentado.
No cenário da guerra, embora a campanha de desinformação esteja sendo usada em larga escala nos meios de comunicação do Ocidente, as indicações são de que os ucranianos estão conseguindo sustar o avanço das tropas russas, e mesmo expulsá-las de algumas regiões que já haviam conquistado. A reação de Putin foi de convocar 300 mil reservistas e ameaçar o uso tático de armas nucleares.
A anexação formal pela Rússia, em 30 de setembro, das quatro províncias parcialmente ocupadas – Donetsk, Luhansk (que constituem o Donbass), Kherson e Zaporíjia – após um referendo confirmatório, abriria o caminho para o uso de armas nucleares em defesa da integridade dos territórios incorporados à pátria Rússia.
Para o economista norte-americano Jeffrey Sachs professor da Universidade de Columbia, o atual conflito na Ucrânia corresponde, em essência, a uma Segunda Guerra da Criméia. Desta vez, uma aliança militar liderada pelos EUA procura expandir a OTAN até a Ucrânia e Geórgia, ampliando a presença da Organização no estratégico Mar Negro.
A escalada do confronto entre OTAN e Rússia parece ter entrado em modo automático e irreversível, com consequências impossíveis de serem previstas.
O boicote à exportação da energia russa
Em artigo de 22 de setembro no think tank russo Valdai Club, o acadêmico e especialista em energia Vitaly Yermakov analisou em detalhes, como as medidas dos EUA e da União Européia (UE) para boicotar as receitas da Rússia com a venda de combustíveis estavam fadadas ao fracasso.
A guerra na Ucrânia fez com que a UE procurasse apressar o até então gradual processo de independência em relação aos combustíveis fósseis exportados pela Rússia. O boicote começou com o carvão (desde 11 de agosto de 2022), e deverá incluir também o petróleo bruto (a vigorar em 5 de dezembro de 2022) e produtos refinados (a partir de 1º de fevereiro de 2023). A UE também anunciou planos de eliminar completamente suas importações de gás russo até 2027.
Até agora, a Rússia tem sido resiliente, e conseguiu introduzir contramedidas eficazes, como redirecionar suas exportações de carvão e petróleo para a Ásia. Além disso, passou a oferecer suas commodities de energia com descontos significativos, evitando assim a necessidade de reduzir drasticamente a produção. Com as tensões geopolíticas em 2022, os preços globais do petróleo aumentaram significativamente, reforçando as receitas de exportação da Rússia, mesmo após os descontos.
Com o conflito na Ucrânia ainda está se arrastando, e a proximidade do inverno europeu, a UE passou a enfrentar um dilema: colocar em prática o embargo petrolífero em dezembro, arriscando nova disparada nos preços do petróleo, o que poderia trazer insatisfação da população em seus países, ou então deixar de lado a implementação do embargo e perder credibilidade.
Como alternativa, foi então concebida a ideia de impor limites de preços sobre os combustíveis exportados pela Rússia, negando a este país receitas extras que até então vinham preservando a economia russa de ser afetada pelas amplas sanções econômicas. Para o plano funcionar seria criado um cartel de compradores, que determinaria o limite de preço para o petróleo russo.
Para induzir compradores e transportadores a cooperar com o plano, seria negado o seguro marítimo internacional – majoritariamente controlado pela empresa Lloyds de Londres – a qualquer carga russa que não estivesse cumprindo os limites de preços. Ideias semelhantes começaram surgir na UE sobre fixar os preços do gás russo.
No entanto, sem a anuência de países como China e índia, tal plano nasceu já fadado ao fracasso. O presidente Vladimir Putin, falando no Fórum Econômico Oriental em Vladivostok, em 7 de setembro, alertou que a Rússia cortaria todo o fornecimento de energia para países que tentassem impor limites de preços às exportações russas.
A sabotagem dos gasodutos Nord Stream
O relato das explosões que danificaram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 no noticiário da mídia corporativa do Ocidente revela como ela está alinhada com o esforço de guerra da OTAN. No britânico The Guardian: Rússia é suspeita de ter executado as explosões para colocar pressão no fornecimento de energia. No The New York Times: A CIA havia alertado os governos europeus de um possível ataque aos gasodutos. Na CNN: oficiais europeus de segurança haviam observado navios e submarinos russos em locais não distantes de onde ocorreram os vazamentos.
Gás emanando do vazamento do gasoduto Nord Stream 2 \ Foto: Airbus DS2022/AFP via Getty Images
No entanto, a versão de que a Rússia teria sido responsável pelas explosões não se sustenta, pois o dano aos gasodutos também significa que ela perde um elemento de pressão que ainda tinha sobre a Europa. Por outro lado, não é difícil identificar os beneficiários da interrupção do fornecimento do gás russo. O secretário de estado norte-americano Antony Blinken celebrou o que chamou de “tremenda oportunidade de remover a dependência (da Europa) no gás russo” (ver vídeo).
A Ucrânia sempre se opôs a entrada em operação do Nord Stream 2 , pois representaria a perda das vultosas receitas provenientes dos gasodutos russos subterrâneos que atravessam seu território, construídos durante o período da União Soviética. Não apenas Kiev, mas também a Polônia e os Países Bálticos haviam se aliado aos EUA para impedir a implementação do Nord Stream 2. Os norte-americanos chegaram a impor sanções às empresas russas e alemãs envolvidas na construção do gasoduto
O ex-ministro polonês das relações exteriores, Radosław Sikorski, atualmente no Parlamento Europeu, gerou forte controvérsia ao postar um tuíte que inclui uma foto do vazamento de gás no gasoduto danificado, acompanhada das palavras: “Obrigado, EUA”. O agradecimento indica que Biden teria cumprido a promessa que fizera semanas antes da entrada das tropas russas na Ucrânia, caso a Rússia invadisse o país vizinho: “o gasoduto Nord Stream 2 deixará de existir; vamos acabar com ele”.
“Coincidentemente”, estava prevista para a primeira semana de outubro a entrada em operação do Baltic Pipe, o gasoduto construído pela Polônia com apoio da UE. O gasoduto irá levar gás natural da Noruega para a Europa Central através da costa da Polônia, podendo alcançar por terra outros países da região.
Em entrevista no canal de TV a cabo Bloomberg, o professor Jeffrey Sachs declarou “apostar que (a explosão) foi uma operação dos EUA, talvez EUA e Polônia”. Segundo ele, a motivação seria prejudicar ainda mais a economia russa. A entrevista foi rapidamente interrompida pelo apresentador do programa, após o professor emitir sua opinião.
Deve-se ainda levar em consideração que, com os dois gasodutos impossibilitados de operar não haveria como os governos da UE ceder aos protestos de suas populações, que já começam a ocorrer. No entanto, uma das quatro linhas do Nord Stream 2 não foi danificada, e poderia fornecer gás para a Europa. Resta ver se o governo alemão autorizaria a utilização no abastecimento do país, ou se vai continuar submetido à pressão dos EUA, prejudicando assim sua própria população.
A extrema-direita alemã já está capitalizando a insatisfação da população com o aumento do custo de vida resultante da escassez energética. Apoiadores do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) se reuniram em frente ao prédio do Reichstag em Berlim, em 8 de outubro, para protestar contra o aumento dos preços na Alemanha (ver vídeo). O co-líder do partido acusou o governo de travar uma guerra contra seu próprio povo, ao impor sanções à Rússia.
Um país que colocou em primeiro lugar seus próprios interesses foi a Arábia Saudita. Uma coalizão de nações produtoras de petróleo liderada pela Rússia e Arábia Saudita anunciou em 5 de outubro uma redução na produção de petróleo em 2 milhões de barris por dia, o que deverá levar ao aumento dos preços do gás em todo o mundo e reforçar a economia Rússia em seu esforço de guerra.
Referendo Fake de anexação?
Para o ex-embaixador britânico Craig Murray, defensor da independência da Escócia e forte crítico da expansão da OTAN, o referendo de anexação pela Rússia promovido nas regiões ocupadas pelas tropas russas foi irregular.
Além de questionar se foram seguidas as regras básicas para a realização de um referendo internacional, Murray considera que o resultado que foi divulgado, em que mais de 90% de votos nas quatro regiões ocupadas foram favoráveis à anexação, estaria longe de refletir a real proporção da população de origem russa nestas regiões.
O mapa mostra as regiões anexadas à Rússia após o referendo de 2022 \ Fonte: Instituto para o Estudo da Guerra/BBC
Murray apresenta os resultados do último censo realizado na Ucrânia, em 2001. Em Donetsk, os russos representavam 38,2% e os ucranianos, 56,9%. Em Luhansk: russos-39,0%, ucranianos-58,0. Em Kherson: russos-14,1, ucranianos-82,0. Em Zaporíjia- russos-24,7, ucranianos-70,8. Já na Criméia, os russos representavam de fato a maioria da população, com 58,3%, enquanto os ucranianos constituíam 24,3% e os tártaros 12,0%.
Assim, para o ex-embaixador, se constituiria em falácia a propalada versão de que as províncias de Donetsk e Luhansk, que constituem o Donbass, seriam constituídas majoritariamente de habitantes de origem russa, mesmo levando em conta o percentual de ucranianos que adotaram o russo como língua principal.
Por outro lado, Murray não leva em conta a possibilidade de que, nas regiões anexadas, parte da população de origem ucraniana – majoritariamente rural – pode ter abandonado suas casas desde o início dos conflitos em 2014, após o golpe que afastou o presidente eleito de origem russa, Victor Yanukovych. De qualquer forma, a discrepância é bem significativa, e levanta questionamentos sobre a lisura do processo de consulta.
O ex-embaixador considera ainda que Putin está caindo no jogo estratégico dos Estados Unidos de sangrar a Rússia, em uma guerra na qual a tecnologia militar do Ocidente é imensamente superior. Para Murray, os 300 mil reservistas que Putin enviará para a guerra serão abatidos à distância, sem nem mesmo ver o inimigo.
Para Scott Ritter, ex-oficial de inteligência do Corpo de Marines dos EUA, a decisão de Putin de simultaneamente mobilizar os reservistas russos, enquanto absorve o território do sul e leste da Ucrânia para a Federação Russa, coloca a OTAN em novo dilema: continuar a fornecer apoio material e financeiro maciço à Ucrânia, tornando-se parte direta do conflito, algo que ninguém no bloco quer, ou então recuar do apoio bélico à Ucrânia.
Explosão danifica a ponte Rússia-Crimeia
No sábado, 8 de outubro, foi parcialmente destruída a ponte que liga Rússia e Crimeia, que havia sido inaugurada por Putin em 2018. As suposições iniciais eram de ela poderia ter sido alvo de um míssil ucraniano ou da explosão de um caminhão-bomba, ocasionando ainda incêndios em vagões de trem contendo combustível. O presidente russo já acusou a Ucrânia pelo incidente. Um alto oficial do Segurança nacional ucraniana postou um vídeo do incêndio, acompanhado da canção “Feliz Aniversário, Sr. Presidente” (cantada por Marilyn Monroe), se referindo ao aniversário de Vladimir Putin na véspera.
A retaliação da Rússia veio na segunda-feira, 10 de outubro, através de bombardeios maciços em várias cidades. Segundo o Ministério da Defesa da Ucrânia, a Rússia disparou ao menos 83 mísseis contra Kiev, Lviv e Zaporíjia. A capital ucraniana não era bombardeada desde que o foco da guerra mudara para a conquista da região leste da Ucrânia após as primeiras semanas do início do conflito.
O Relógio do Juízo Final ainda permanece em 100 segundos para a meia-noite. Até quando?
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF e responsável pelo blogue Chacoalhando.
A decisão da Turquia de enviar um navio-sonda para explorar reservas de gás nas proximidades de Chipre pode inflamar a região, e tornar ainda mais conturbado o relacionamento da Turquia com os demais países da OTAN.
Presidente turco Recip Erdogan no lançamento do navio-sonda Abdulhamid Han, em Mersin / Foto: Imprensa presidencial via Reuters.Desde o início da invasão do território ucraniano por tropas russas, a Turquia vem mantendo uma política equilibrada em relação às partes beligerantes, bem como canais de diálogo com Moscou e Kiev. Mas esta estratégia pode ser alterada a favor da Rússia. O recente envio do navio-sonda turco Abdullhamid Han para explorar grandes jazidas de gás nas proximidades de Chipre tem o potencial de inflamar tensões regionais. Caso os Estados Unidos e a União Europeia (UE) se posicionem – como esperado – contra a Turquia, Ancara poderá retaliar, revendo a atual política de equidistância no conflito bélico.
Turquia: neutralidade ou oportunismo?
A Turquia faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mas ao mesmo tempo, desempenha um papel independente. A decisão de Ancara de fechar os estreitos de Bósforo e Dardanelos a navios de guerra limitou a capacidade da marinha russa no Mar Negro, mas também impede que potências da OTAN possam interferir no conflito através de suas marinhas de guerra.
Segundo o analista russo Ivan Timofeev, do think tank russo Valdai Club, a Turquia parece ser um dos principais beneficiários do conflito. Ancara manobra habilmente, beneficiando-se de todos os lados.
A diplomacia turca se opõe à operação militar da Rússia e mostra solidariedade com os aliados da OTAN. Ancara está fornecendo armas à Ucrânia, incluindo drones Bayraktar. Acrescente-se que a Turquia não reconheceu a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014.
Ao mesmo tempo, Ancara mantém relações construtivas com Moscou, e está desempenhando um importante papel como mediador econômico nas relações entre a Rússia e o Ocidente. O presidente Recep Erdogan recusou-se a implementar as sanções impostas pelo Ocidente contra a Rússia. As empresas turcas estão se preparando para ocupar uma série de nichos que ficaram disponíveis com a retirada de empresas ocidentais do mercado russo. A Turquia demonstrou flexibilidade nas relações financeiras com Moscou, aceitando cartões Mir (versão russa do Visa ou MasterCard). O país está se tornando um centro (hub) único de tráfego.
Esta equidistância pragmática possibilitou que Ancara tentasse desempenhar um papel mediador na resolução do conflito. Embora tais esforços não tenham sido ainda bem sucedidos, a intermediação contribuiu para resolver a questão da exportação dos grãos ucranianos e fortaleceu o status internacional de Ancara. Para o complexo militar-industrial turco, o conflito ampliou o mercado e as oportunidades de mostrar seus equipamentos bélicos em ação.
Exploração das reservas de gás do Mediterrâneo
Mesmo antes da crise energética decorrente do conflito na Ucrânia, as jazidas de gás natural do Mediterrâneo Oriental localizadas nas proximidades da costa de Chipre já atraíam o interesse de empresas petrolíferas, como a norte-americana Exxon Mobile, a francesa Total, e a italiana ENI.
No final da década de 2000, após Israel anunciar a descoberta de jazidas de gás natural na região, o governo de Chipre contratou diversas empresas de energia para iniciarem a prospecção de hidrocarbonetos ao redor da ilha. Em Dezembro de 2011, a empresa norte-americana Noble Energy anunciou a descoberta de “significativos recursos de gás natural”.
Segundo relato da Al Jazeera, em janeiro de 2019 foi constituído o Fórum de Gás do Mediterrâneo Oriental – órgão multinacional sediado no Cairo – reunindo diversos governos, inclusive de Israel e a Autoridade Palestina, mas excluindo a Turquia. Um ano depois, Chipre, Grécia e Israel assinaram um acordo para construir o gasoduto EastMed, de 1.872 quilômetros de comprimento, para transportar gás cipriota offshore para a Grécia e Itália.
Traçado planejado para o gasoduto EastMed atravessa águas territoriais pretendidas pelos cipriotas turcos (linhas hachuradas)
Para Ancara, qualquer benefício desta exploração também deveria contemplar também os cipriotas turcos, e permanecer dependente das negociações sobre a reunificação da ilha mediadas pela ONU, mas que se encontram em impasse. O Chipre foi dividido na sequência da intervenção militar turca em 1974, entre o Sul cipriota grego e o Norte cipriota turco, que ocupa cerca de um terço do território, mas não é reconhecido pelas Nações Unidas.
No final de 2019, o Congresso dos EUA levantou o embargo de armas ao Chipre e aumentou a ajuda externa à ilha, para demonstrar o apoio à exploração de gás, onde estava envolvida a empresa Exxon Mobil.
Grécia e Turquia estiveram à beira de um confronto militar em agosto e setembro de 2020, depois que a Turquia lançou seu navio de pesquisa sísmica Oruc Reis – acompanhado de uma pequena frota naval – para explorar petróleo e gás em áreas do Mediterrâneo Oriental, que a Grécia reivindica como parte de sua plataforma continental e Zona Econômica Exclusiva. A França anunciou que iria reforçar temporariamente sua presença militar na região em apoio à Grécia.
As tensões aumentaram, até que, sob ameaça de sanções econômicas pela UE, a Turquia interrompeu a exploração do gás em dezembro de 2020. No entanto, o projeto do gasoduto não foi adiante na ocasião por questões de viabilidade econômica. As companhias petrolíferas internacionais estavam sob o impacto dos baixos preços do petróleo e gás e das enormes perdas com a pandemia. O momento era de corte de gastos e não de novos e dispendiosos investimentos.
A crise energética na Europa
Com a guerra na Ucrânia resultando em uma crise energética global, no aumento dos preços do gás natural, e em uma nova política energética pela UE visando acabar o mais rápido possível com a dependência do continente do gás russo, foi reacendido o interesse pelo gasoduto EastMed. Entretanto, os EUA retiraram seu apoio ao projeto em janeiro, citando preocupações com a sustentabilidade técnica e comercial.
Muitos analistas preveem que os níveis de preços internacionais do gás natural permanecerão elevados por um período prolongado, o que poderia fazer do EastMed um investimento lucrativo para as empresas que construírem e operarem o gasoduto, que tem um custo previsto em 6,1 bilhões de euros.
Conforme declaração à Al Jazeera de Ana Maria Jaller-Makarewicz, do Instituto para Economia em Energia e Análise Financeira (IEEFA, na sigla em inglês), “o EastMed pode ser economicamente viável agora, porque os preços da energia são muito altos, mas provavelmente não será a longo prazo”. Para a especialista em energia, existem opções mais limpas e baratas que estão sendo ignoradas, como reduzir a demanda através das bombas de calor, que podem aquecer ambientes mesmo quando as temperaturas externas estão abaixo de zero graus centígrados.
Havendo ou não interesse da União Europeia em apoiar a construção do gasoduto, a decisão da Turquia de enviar um navio-sonda para explorar reservas de gás nas proximidades de Chipre pode inflamar a região, e tornar ainda mais conturbado o relacionamento da Turquia com os demais países da OTAN. A tentativa de golpe contra Erdogan em 2016 originou uma crise de confiança dos turcos em relação aos Estados Unidos e aos aliados do Ocidente. Por outro lado, o incidente da derrubada de um jato russo pela Turquia em 2015 foi plenamente superado, tanto que Moscou forneceu à Turquia o sistema russo de mísseis de defesa S400, para insatisfação da OTAN.
Erdogan declarou quando da cerimônia de lançamento ao mar do Abdulhamid Han: “O trabalho de pesquisa e perfuração que estamos realizando no Mediterrâneo está sendo conduzido dentro do nosso território soberano. Não precisamos receber permissão ou consentimento de ninguém para isso”. A Rússia permanece como expectadora do desenrolar desta crise, que poderá auxiliá-la na condução da guerra na Ucrânia.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, e responsável pelo blogue Chacoalhando.
Roger Waters se junta assim a tantos outros críticos do governo autocrático e pró-nazista de Volodymyr Zelensky que tiveram seus nomes incluídos na lista, vários dos quais já foram assassinados.
Roger Waters está na lista de alvos de site ucraniano de extrema-direita; apresentação do músico na turnê “This Is Not A Drill Tour.” Foto: Miami and beaches (fotomontagem do blog)
O músico de rock faz parte agora da extensa relação de pessoas que estão listadas como inimigos na Ucrânia no siteMirotvorets (Pacificador, em ucraniano), segundo artigo da jornalista Deborah L. Amstrong* no Medium.com. Também fazia parte da lista, Darya Dugina, a filha do polêmico filósofo russo Alexander Dugin, recém assassinada em um atentado quando uma bomba explodiu seu carro. Agora, na foto de Dugina consta uma tarja vermelha com a palavra ЛИКВИДИРОВАН, o termo ucraniano para LIQUIDADA.
O mesmo ocorreu com o jornalista italiano Andrea Rocchelli, que morreu em maio de 2014, juntamente com o intérprete e jornalista russo Andrey Mironov, quando o carro em que estavam foi atingido por um morteiro na região separatista de Donetsk. Não está claro porque na ficha de Dugina consta a palavra NATO (OTAN), enquanto que na de Rochelli aparece CIA, a agência de inteligência dos EUA, conforme pode ser visto na montagem a seguir.
Mirotvorets, um site semi-oficial do governo ucraniano
Mirotvorets contém um banco de dados que lista milhares de jornalistas, ativistas e qualquer um que seja declarado como “inimigo da Ucrânia”. Informações pessoais são publicadas, assim como os endereços de suas casas, números de telefone e de contas bancárias; qualquer dado que possa ajudar na localização dos “alvos”. O endereço IP do site foi rastreado até um servidor em Bruxelas, Bélgica.
O Departamento de Estado dos EUA confirmou que o Ministério dos Assuntos Internos ucraniano estava relacionado ao site, mas o governo norte-americano não tomou qualquer providência para bloquear o site, mesmo reconhecendo que foram publicados dados pessoais de jornalistas.
A lista inclui uma menina ucraniana de 13 anos, Faina Savenkova, que foi adicionada por falar publicamente contra a sangrenta guerra que Kiev impôs aos civis de língua russa no Donbass, na parte oriental da Ucrânia. Já o cineasta Igor Lopatonok foi adicionado devido a um filme em que trabalhou com Oliver Stone.
Surpreendentemente, até Henry Kissinger, que uma vez sugeriu jogar bombas nucleares em Moscou, teve seu perfil incluído no Mirotvorets, como “inimigo da Ucrânia”, por ter expressado preocupação pela forma como os EUA estavam marchando para uma guerra contra a Rússia e China.
Roger Waters se junta assim a tantos outros críticos do governo autocrático e pró-nazista de Volodymyr Zelensky que tiveram seus nomes incluídos na lista, vários dos quais já foram assassinados.
Roger Waters: “A Crimeia pertence à Rússia”
O músico cofundador do Pink Floyd é amado por milhões de fãs ao redor do mundo. Na política, Waters é um crítico mordaz do papel representado pela OTAN. Waters, que sempre foi uma espécie de dissidente e antiguerra, como todos os astros do rock costumavam ser.
Ele é conhecido por seu apoio a Julian Assange, criador do Wikileaks, que se encontra preso no Reino Unido e sob ameaça de ser extraditado em breve para os EUA. Recentemente, Waters se referiu a Biden na CNN como sendo um “criminoso de guerra”, e que Biden está “alimentando o fogo na Ucrânia”.
Waters acrescentou: “Esta guerra é basicamente sobre a ação da OTAN alcançando a fronteira russa, o que eles prometeram não fazer quando [Mikhail] Gorbachev negociou a retirada da União Soviética de toda a Europa Oriental”. E complementando: “A Crimeia pertence a Rússia, porque a maioria das pessoas que vivem na península são russas”.
Como seria de se esperar, as opiniões do astro do rock indignaram a malta pró-OTAN e os simpatizantes nazistas na Ucrânia, bem como os “guerreiros da justiça social”, campeões da liberdade que espumam pela boca em apoio aos temas encampados pela grande mídia, ressalta Deborah Amstrong .
Perfil de Roger Waters no site Mirotvorets, que contém a lista de alvos dos extremistas de direita ucranianos pró-nazismo
Quem são os organizadores do Mirotvorets?
Uma investigação da Fundação Russa de Combate à Injustiça revelou nomes de indivíduos, corporações e entidades governamentais que se acredita serem os organizadores, patrocinadores e curadores do site nacionalista ucraniano.
O site é controlado pelo Serviço de Segurança da Ucrânia, e foi criado por iniciativa de Anton Gerashchenko, conselheiro do Ministro dos Assuntos Internos da Ucrânia. Gerashchenko enfrenta acusações de terrorismo na Federação Russa, pela criação da lista de alvos.
Os investigadores dizem que a lista foi criada em 2014, sendo supervisionada pela organização pública “Mirotvorets Center”, liderada por Roman Zaitsev, um ex-funcionário dos serviços especiais ucranianos, e pela organização pública “Retaguarda do Povo”, liderada pelo político ucraniano, George Tuka.
Em seus primórdios, o site publicou os nomes dos chamados “separatistas russos” (residentes do leste da Ucrânia), que se opunham ao golpe de Maidan que afastou o presidente Viktor Yanukovych, que ousara fazer um acordo econômico com a Rússia, em detrimento da União Europeia.
O site passou então a publicar os dados pessoais de figuras públicas, jornalistas, ativistas e até de crianças. Mirotvorets tornou-se infame após o assassinato de duas figuras públicas ucranianas em 2015: o escritor e jornalista Oles Buzina e um deputado ucraniano foram mortos dias após seus endereços residenciais serem publicados.
Em maio de 2016, Mirotvorets divulgou os dados pessoais de mais de 4.500 jornalistas e representantes da mídia de todo o mundo, que haviam recebido permissão para trabalhar no território de Donbass. Os administradores do Mirotvorets teriam invadido o banco de dados do Ministério da Segurança de Estado da República Popular de Donetsk, onde coletaram números de telefone, endereços de e-mail e residenciais de jornalistas estrangeiros acusados de “colaborar com terroristas”, por estarem cobrindo a guerra em territórios sob controle dos rebeldes.
Os jornalistas passaram então a receber telefonemas e e-mails ameaçadores, além de assédio nas redes sociais. O governo da Ucrânia emitiu uma declaração de que não havia encontrado violações da lei nas ações praticadas pelo site.
Ameaça extremista contra imigrantes de fala russa em qualquer país / site Mirotvorets
Norte-americanos colaboram com Mirotvorets
Uma análise do protocolo de rede pela Fundação Russa de Combate à Injustiça descobriu que o banco de dados do Mirotvorets usa os serviços tecnológicos de uma empresa na Califórnia. Na página principal do site consta o endereço “Langley County”, Virginia. Coincidentemente, a sede da CIA fica no condado de Langley. Há postagens de contas contendo nomes de diversas agências de inteligência ocidentais: CIA, FBI, OTAN, MI5 e NSA.
Andrew Weisburd, um analista de inteligência norte-americano, anunciou publicamente sua cooperação com o governo ucraniano em janeiro de 2015, na época em que Mirotvorets começou a publicar os dados pessoais dos jornalistas. Weisburd declarou: “Estou apenas tentando fazer a minha parte, para ajudar a fazer coisas ruins acontecerem com pessoas más que estão a serviço do Kremlin”.
Joel Harding é outro norte-americano que esteve envolvido com a formação do Mirotvorets, segundo o jornalista investigativo George Eliason, que vive no Donbass há vários anos e escreve para o Consortium News. Harding é um autoproclamado “especialista em operações de informação”, que diz ser ex-oficial de inteligência do Exército dos EUA e ter atuado como conselheiro sênior na OTAN. Ele desenvolveu também uma estratégia de apoio cibernético para barrar o acesso à mídia russa na Ucrânia. De acordo com Eliason, Harding queria controlar quais notícias e informações os ucranianos poderiam acessar nas redes sociais, internet e televisão.
Ao investigadores da Fundação dizem ter evidências que conectam Mirotvorets a um grupo de ativistas cibernéticos conhecidos como “Ciberaliança Ucraniana”. O grupo é acusado de participar, desde 2016, de ataques a sites de notícias e do governo russo, incluindo o Ministério da Defesa.
As finanças do Mirotvorets
Através de financiamento coletivo, Mirotvorets recebe considerável assistência financeira de doadores anônimos do Ocidente, asseveram os investigadores da Fundação. Os patrocinadores mais prováveis são nacionalistas ucranianos que vivem no exterior, e pessoas associadas a agências de inteligência ocidentais que têm acesso a enormes quantias de dinheiro dos contribuintes.
Embora os programadores digam que receberam apenas alguns milhares de dólares, os dados sobre transações relacionadas às carteiras cripto do grupo indicam o recebimento de mais de 100 mil dólares.
Paralelamente aos atentados e intimidações aos opositores do governo de Kiev, prosseguem os conflitos bélicos que opõe OTAN e Rússia, até que ao Ocidente não mais interesse pagar o preço econômico de bancar a Ucrânia nesta guerra por procuração. A hora da verdade poderá chegar junto com o inverno europeu.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, e responsável pelo blogue Chacoalhando.
*Deborah Armstrong atualmente escreve sobre geopolítica, com ênfase na Rússia. Ela trabalhou anteriormente em noticiários de TV locais nos EUA, onde ganhou dois Prêmios Emmy. Logo antes da dissolução da União Soviética, no início da década de 1990, ela trabalhou como consultora de televisão em Leningrado.