EUA: Lobby pró-Israel investe milhões para controlar o Partido Democrata

Por Ruben Rosenthal

Os esforços dos grupos lobistas pró-Israel se concentram em candidatos nas primárias dos estados de maioria democrata garantida.

AIPAC: US and Israel connected for good
Mike Pompeo, Secretário de Estado de Donald Trump,  discursa na conferência anual do AIPAC, Washington, março 2019 / Foto: Mark Wilson/Getty Images

Grupos de defesa de Israel se aliaram aos interesses das grandes corporações para interferir no processo de seleção de candidatos democratas ao congresso, procurando barrar a indicação de progressistas. Para estes grupos, o objetivo é de reverter a tendência que se configurava no Partido Democrata (PD) de um posicionamento favorável aos palestinos. Para os representantes corporativos, o intuito é impedir que o PD seja dominado pela “esquerda radical”, e com isso evitar que prevaleçam posicionamentos a favor de regulamentações que as corporações entendam como prejudiciais aos seus interesses.

A estratégia é de impedir a vitória de candidatos progressistas ainda durante os processos seletivos internos do PD. Conforme o relato de  Peter Beinart, editor do Jewish Currents, e que serviu de base para o atual artigo, a canalização de vultosos recursos financeiros a favor de candidatos que fossem ao mesmo tempo pró-Israel e moderados/conservadores em questões internas dos EUA país já surtiu efeito em diversas disputas.

Os esforços dos grupos lobistas pró-Israel se concentram em candidatos nas primárias dos estados de maioria democrata garantida, os chamados “estados azuis”, até porque a radicalização política levou a que menos estados ficassem sujeitos a trocas de poder entre republicanos e democratas.

O sistema de doações em campanhas eleitorais

As doações individuais através de um comitê de ação política (PAC) tradicional não podem ultrapassar 5 mil dólares por ciclo eleitoral, e outros 5,8 mil diretamente para o candidato. O advento da internet possibilitou que políticos com muitos seguidores, como Bernie Sanders, levantassem grandes somas através de pequenas doações online.

Uma decisão da Suprema Corte em 2010 – Citizen United – permitiu a criação do chamado “Super PAC”, um novo tipo de comitê de ação política que poderia aceitar doações ilimitadas, desde que fossem utilizadas em “gastos independentes”, não repassados diretamente aos candidatos ou a comitês partidários.

Na última década, esses dois novos métodos – um baseado em um grande número de pequenos doadores, e outro, com base em um pequeno número de doações extremamente altas – impactaram profundamente a arrecadação de fundos a favor ou contra candidatos.

Principais grupos de lobby pró-Israel e pró-corporações

AIPAC, Comitê Americano de Ações Públicas de Israel: se apresenta como uma organização que suprapartidária defende o estreitamento de uma parceria mutuamente benéfica entre Israel e EUA, “reforçando os valores morais da América e seus interesses estratégicos”. Originalmente, AIPAC não fazia arrecadações diretas para campanhas.

DMFI, Maioria Democrata por Israel: o grupo defende no site que uma forte relação EUA-Israel representa o que é melhor para os Estados Unidos, pelos valores e interesses compartilhados. A organização diz apoiar políticas progressistas e a solução de dois estados na Palestina.

Mainstream Democrats (Democratas Majoritários): no site do grupo não é feita qualquer menção a Israel, mas a organização teria sido criada inteiramente pelo DMFI e dividem o mesmo escritório.  No site é especificado que “a tentativa de grupos de extrema-esquerda de assumir o controle do PD torna mais difícil a vitória democrata nas eleições em estados decisivos (swing states), e enfraquece a governança pelo Partido”.

A estratégia de arrecadação da AIPAC

Mesmo antes da eleição de Rashida Tlaib, Ilhan Omar e Alexandria Ocasio-Cortez para a Câmara e a formação do Esquadrão (The Squad) em 2019, já se notava um questionamento no interior do Partido Democrata da ajuda militar incondicional dos EUA a Israel. A deterioração das relações de Obama com Netanyahu e o bom relacionamento deste com Donald Trump abalaram o prestígio do AIPAC perante os democratas.

A posse em janeiro de 2019 dos progressistas do Esquadrão, altamente críticos de Israel, coincidiu com a formação da DMFI, pela ação de um grupo de doadores e estrategistas próximos ao AIPAC, com a missão de enraizar novamente o apoio a Israel no PD. E para tanto, DMFI fez uso do Super PAC para arrecadar quantias da ordem de centenas de milhares de dólares e direcioná-las às campanhas de candidatos ao Congresso. Para arrecadar quantias menores, AIPAC criou Pro-Israel America.

O fracasso que antecede o sucesso

Os grupos lobistas pró-Israel precisaram encarar inicialmente uma grande decepção nas primárias democratas para o distrito do Bronx, em Nova Iorque, em meados de 2020.

DMFI gastou cerca de 2 milhões de dólares em apoio a Eliot Engel, um influente político aliado do AIPAC. Pro-Israel America contribuiu com mais 228 mil dólares. O candidato à reeleição para a Câmara apoiava as investidas de Israel em Gaza, minimizava o impacto dos assentamentos judaicos, defendia cortes na agência da ONU para os refugiados palestinos, e era favorável ao controle total de Jerusalém por Israel.

O desafiante nas primárias no Bronx foi o educador Jamaal Bowman, que criticava o uso de ajuda dos EUA para deter crianças palestinas. A campanha de Bowman recebeu cerca de 500 mil dólares de grupos progressistas, como Justice Democrats e Working Families Party1, os maiores investidores2 nas campanhas de candidatos de esquerda. Bowman derrotou Engel com uma diferença de quase 15 pontos.

No entanto, a estratégia dos lobistas pró-Israel viria a dar frutos no ano seguinte. E sucesso atrai sucesso.

Um caso exemplar de sucesso

Em 2021, nas primárias para escolha do candidato democrata por um distrito no estado de Ohio para uma eleição especial ao Congresso, o favoritismo estava com Nina Turner, ex-senadora (2008-2014), e que havia sido forte apoiadora de Bernie Sanders nas campanhas para a escolha do candidato presidencial democrata em 2016 e 2020.

Nina defendia que a ajuda dos EUA a Israel não deveria ser usada para perpetuar a ocupação israelense da Cisjordânia, além de se recusar a criticar o BDS, o boicote contra Israel. Os fortes laços de Nina com Bernie Sanders também foram usados contra ela na campanha, como forma de questionar sua lealdade ao presidente Biden.

Alguns meses após Nina lançar sua candidatura DMFI  e America Pro-Israel endossaram seu principal adversário, a presidente do PD no Condado de Cuyahoga, Shontel Brown. Nos meses seguintes, as duas organizações investiram pesadamente na campanha de Brown: DMFI gastou mais de 2 milhões de dólares,  e America Pro-Israel contribuiu com 781 mil.

Os lobistas pró-corporações também declararam guerra a Nina Turner: Fox News, Exxon Mobil, Walmart, PhRMA e outras indústrias arrecadaram ainda mais fundos para a campanha de Brown. Em poucos meses a vantagem inicial de Nina por mais de 30 pontos foi revertida, e ela perdeu a indicação por uma diferença de 6 pontos.

Com a vitória, AIPAC decidiu criar seus próprios PAC e Super PAC, passando a levantar fundos diretamente para campanhas eleitorais, após 70 anos de atuação nos bastidores. Até agora, AIPAC arrecadou cerca de 22 milhões.

Em 2022, as duas candidatas voltaram a competir pela mesma vaga, visando as eleições legislativas de outubro. Desta vez, a organização Democratas Majoritários, que supostamente não toma partido no conflito Israel-Palestina, investiu 150 mil dólares para barrar Nina Turner. Em maio, Brown derrotou Turner por uma margem avassaladora de 66 a 33 pontos percentuais.

As convicções políticas de alguns progressistas ficaram abaladas.

Progressistas de pouca fé

Alguns democratas buscaram soluções conciliatórias. Um caso emblemático é o de Greg Casar, candidato a deputado por Austin, Texas. Ele procurou evitar o ataque de grupos pró-Israel enviando uma carta ao rabino local, onde se colocou contrário ao BDS e a favor do envio de armas a Israel. Mas condenou a expansão ilimitada de assentamentos judaicos na Palestina e a violação de direitos básicos. Ou seja, deu uma no cravo e outra na ferradura. Mas com o recuo, Casar perdeu o apoio dos Socialistas Democráticos da América (DSA).

Mesmo os briosos membros do Esquadrão passaram a recuar de suas posições a favor dos palestinos.

Desde que assumiu seu assento na Câmara em janeiro de 2021, o novo membro do Esquadrão, Jamaal Bowman, vem sendo criticado por apoiadores de esquerda, como DSA, principalmente por suas posições em questões relativas a Israel.

Bowman declarou oposição ao boicote BDS e votou a favor de fundos suplementares de 1 bilhão de dólares para financiar o Iron Dome, o escudo protetor contra mísseis lançados de Gaza contra Israel. Em dezembro de 2021, DAS anunciou que não apoiará Bowman para as eleições legislativas de novembro de 2022.

Alexandria Ocasio-Cortez, uma das fundadores do Esquadrão, também votou a favor de verbas adicionais para custear o Iron Dome. Ela alegou para seus eleitores de Nova Iorque que tinha sido submetida a uma “campanha de ódio”, quando inicialmente se opôs ao custeio do escudo.

 As dificuldades do apoio a candidatos pró-palestinos

O grupo sionista liberal J Street criou um Super PAC em janeiro e espera arrecadar para o ciclo eleitoral de 2022 a quantia de 1 milhão de dólares, o que ainda é bem pouco comparando com as arrecadações alcançadas por AIPAC e aliados. Grupos árabes, mulçumanos e de solidariedade palestina à esquerda de J Street deverão arrecadar bem menos ainda.

Divergências no campo liberal-progressista agravam ainda mais a arrecadação em apoio a candidatos mais compromissados com a causa palestina. J Street apoia a solução de “dois estados” na Palestina e se opõe ao boicote BDS contra Israel; assim, o grupo liberal não apoiou Nina Turner, como também deixou de apoiar Marie Newman em Illinois este ano, uma das oito deputadas democratas a se opor ao financiamento do Iron Dome. E não vai apoiar Rachida Tlaib ou Ilhan Omar, do Esquadrão. Estes são apenas alguns exemplos da falta de unidade no campo liberal/progressista.

Falhas na estratégia do AIPAC 

Ao endossar mais de 100 candidatos republicanos que votaram para anular os resultados da eleição presidencial de 2020, AIPAC mostrou que tem vulnerabilidades que podem ser exploradas. Um grupo progressista democrata da Carolina do Norte aproveitou para declarar que “nenhum candidato norte-americano deveria aceitar fundos de uma organização que apoia financeiramente aqueles que procuram destruir a nossa democracia”, e retirou o apoio que já havia concedido a uma candidata ao senado estadual.

Em seu artigo, Peter Beinart ressaltou o caminho das pedras para se fazer frente à aliança dos lobbies pró-Israel com democratas moderados e conservadores: denunciar os apoios que AIPAC e DMFI dão a candidatos com histórico condenável na saúde, meio-ambiente e democracia. Como exemplo, Beinart lembra que AIPAC ajudou a reeleger Henry Cuellar, que em 2021 foi o único deputado democrata a votar contra a legislação iria inserir o direito ao aborto na lei federal.

O caminho para que os eleitores democratas escolham candidatos que defendam a dignidade dos palestinos passa primeiro pela escolha de candidatos que defendam a dignidade e liberdade na América, assevera Beinart.

Notas:

1 Working Family Party é uma organização com base em grupos comunitários e de trabalhadores, que recruta, treina, e elege candidatos progressistas.

2 As duas organizações têm Super PACs, e arrecadaram no atual ciclo eleitoral mais de 3 milhões e 10 milhões de dólares, respectivamente. Mesmo assim, isso representa bem menos do que foi obtido pelas organizações pró-Israel.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF e responsável pelo blogue Chacoalhando.

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