Canal de TV evangélico tenta converter judeus de Israel, por Ruben Rosenthal

Israel vai proibir a pregação em hebraico pela televisão que Jesus é o messias dos judeus? Ou vai pagar a conta pelo apoio dos evangélicos a suas políticas expansionistas na Palestina e autorizar a ação missionária do canal Shelanu? 

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Logotipo do canal de TV Shelanu \ Crédito: Evan Santoro

O canal evangélico de TV a cabo Shelanu (Nosso, em hebraico), lançado em 29 de abril, ficou no centro de uma polêmica que testou o limite da liberdade de expressão e de religião em Israel. A programação missionária voltada para o público judeu enfureceu diversos setores no país, que passaram a exigir o cancelamento da concessão ao canal.

Shelanu não foi o primeiro canal cristão a transmitir em Israel, mas o primeiro a usar o hebraico no trabalho missionário de propagar as “boas novas” do evangelho de Jesus diretamente aos lares judaicos. O canal é afiliado da GOD TV, a terceira maior rede de mídia cristã internacional, transmitindo para 200 países uma programação voltada mais para os jovens. A rede assinou um contrato de sete anos com a empresa israelense de televisão a cabo Hot, acessada em mais de 700.000 lares israelenses, relata a jornalista Judy Maltz no periódico israelense Haaretz.

Em 2016 a GOD TV já obtivera uma licença para transmitir “conteúdo em inglês voltado para audiências cristãs”, mas a Hot não teve interesse em manter a banda para o canal de fé. Entretanto, em abril de 2019 um executivo da Hot convidou a GOD TV a retomar as transmissões.

Foi quando a rede cristã expressou o desejo de fazer a transmissão em hebraico. A Hot submeteu então uma nova solicitação de licença ao “Conselho para Transmissão por Cabo e Satélite”, que é o órgão regulador ligado ao Ministério das Comunicações israelense. Foi utilizada a mesma documentação original de 2016, de acordo com fontes que viram a documentação, segundo noticiou Judy Maltz em outro artigo no Haaretz.

Depois da aprovação, a Hot informou ao Conselho que os programas poderiam ser dublados ou traduzidos para o hebraico. Não foi alterada, no entanto, a descrição da finalidade do canal, que permanecia em tese voltada para audiências cristãs. Pouco tempo depois o Conselho foi informado de que o nome do canal seria trocado de GOD TV para Shelanu.

Os membros do conselho começaram a suspeitar de algo, e pediram para ver extratos dos programas que o canal Shelanu iria transmitir. Nos programas que foram mostrados ao Conselho não haveria nada que indicasse que eles seriam voltados para uma audiência judaica, segundo Maltz apurou.

Quando do anúncio do lançamento do canal, o CEO da GOD TV, Ward Simpson,  declarou em mensagem de vídeo que a rede havia recebido permissão do governo para transmitir o evangelho de Jesus Cristo na língua hebraica. Poucos dias depois este vídeo foi removido pela GOD TV, mas a polêmica já estava instalada.

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Estúdio do canal Shelanu \ Crédito: Evan Santoro

Reclamações de vários setores, inclusive da chefia do rabinato, foram feitas ao órgão regulador. Só então os inspetores do Conselho acessaram o canal Shelanu pela primeira vez. E o que assistiram foi considerado proselitismo explícito em hebraico. Se a GOD TV foi franca com a empresa  de televisão a cabo Hot, teria esta deliberadamente enganado as autoridades reguladoras, questiona Maltz?

O ministro das comunicações David Amsalem ameaçou tirar o canal do ar se  o proselitismo continuasse, declarando que não iria permitir que um canal missionário operasse no Estado de Israel. Maltz aponta que a lei israelense proíbe pregação religiosa a menores de 18 anos sem o consentimento dos pais. Também é proibida a transmissão de conteúdo que possa causar “influência indevida” nos expectadores, podendo o proselitismo se encaixar neste conceito. Solicitação de benefícios materiais, uma prática comum em cultos evangélicos televisivos, também não é permitida em Israel.

Em 10 de maio o Haaretz publicou novo artigo de Judy Maltz, em que foi apresentada a justificativa dada por Ward Simpson, o CEO da GOD TV: “não estamos tentando converter judeus; queremos apenas que eles aceitem Jesus como o messias, sem renunciar ao judaísmo. O objetivo é torná-los judeus messiânicos”. A explicação gerou ainda mais polêmica.

A polêmica foi alimentada com o artigo de opinião de  Jonathan S. Tobin, editor-chefe do JNS (Jewish News Syndicate), publicado no Haaretz em 11 de maio. O autor questiona se “tolerar que evangélicos tentem converter judeus, não seria um preço justo a pagar pelo apoio dos cristãos a Israel”.

Para Tobin, a admiração e afeição dos milhões de evangélicos norte-americanos por Israel é sincera e fundamentada na crença das referências bíblicas ao direito dos judeus à terra de Israel. “Este direito se estenderia a regiões citadas na Bíblia com os nomes de Judeia e Samaria, e que fazem parte da Cisjordânia, que coube aos palestinos quando da partilha aprovada (em 1947) pelas Nações Unidas”.

Para Tobin, os judeus com posições liberais em temas como aborto e direitos dos gays sempre se sentiram incomodados com a boa acolhida aos cristãos evangélicos pela direita israelense, notadamente pelos colonos que ocuparam territórios palestinos na Cisjordânia. Entretanto, o sermão na  transmissão inicial da GOD TV levantou a ira dos colonos, que passaram a defender que a emissora parasse de tentar converter judeus ao cristianismo.

Tobin criticou o CEO da GOD TV: “quando Ward Simpson declara que não busca a conversão dos judeus ao cristianismo, mas apenas que eles aceitem Jesus como o messias mantendo a identidade judaica, isto soa como algo fraudulento, pois um judeu que aceita o messias cristão não é mais um judeu”.

O rabino Pesach Wolicki não poupou críticas ao canal Shelanu, conforme expressou em seu artigo publicado em 12 de maio no Jerusalem Post. Relembrando “o terrível histórico de antissemitismo presente em doutrinas cristãs no passado”, ele  afirmou que “tentar evangelizar um judeu é como pegar uma faca e tentar esfaqueá-lo”.

O rabino ressaltou que a abertura de um canal de TV cristão com o propósito declarado de evangelizar judeus, para muitos judeus confirma as suspeitas que eles têm, de que o verdadeiro motivo da amizade dos evangélicos com Israel está na eventual conversão dos judeus israelenses à fé cristã. Mas o rabino não generalizou suas críticas, afirmando ser amigo de muitos pastores, de acadêmicos cristãos e de proeminentes cristãos sionistas, e que pode atestar a sensibilidade e respeito que eles mostram pela identidade e fé judaicas.

Uma resposta ressentida veio dos evangélicos, através do artigo de opinião de Michael Brown, escritor, radialista, e apresentador de um programa na GOD TV, publicado em 17 de maio no Haaretz: “os judeus apreciam o amor e a influência dos evangélicos, mas consideram que a nossa cristandade é tóxica e destrutiva”.  E acrescentou: “não iremos e não podemos parar de pregar para os judeus….Mesmo se o governo fechar o canal de TV, não deixaremos de amar o povo judeu e apoiar Israel”.

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Manifestação dos Cristãos Unidos por Israel em Jerusalém, 2008 \ Foto: Reuters

Avi Bell, professor de direito na Bar Ilan University (em Israel) e na University of San Diego (Estados Unidos), comentou o artigo de Michael Brown. Se dirigindo diretamente a Brown, declarou: “quando você e seus colegas de pregação da GOD TV clamam que a cristandade é o verdadeiro judaísmo, vocês estão fazendo uma afirmação desrespeitosa, antissemita e tóxica”.

E prosseguindo na crítica: “vocês estão nos dizendo que não apenas têm o direito de definir sua fé cristã e interpretar sua própria tradição, mas que também têm o direito de definir a nossa fé judaica, e negar a nós, judeus, o direito de interpretar a nossa tradição religiosa….O seu amor por nós….nada mais é que o veneno da serpente”.

Finalizando, Bell acrescentou: “não precisamos do tipo de amor que você oferece. Se você acha que tem o direito de destruir nossas tradições, desrespeitar nossas crenças, violar nossas leis e mostrar desprezo por nós como povo porque você nos oferece ‘apoio, dinheiro, influência política e serviço’, então guarde este ‘apoio’ para si mesmo”.

Em novo artigo no Haaretz em 5 de julho, Michael Brown reclama que Israel discrimina contra os cristãos evangélicos, por não garantir a estes o direito à liberdade de imprensa. Ele afirma que não houve “nenhuma ambiguidade, enganação ou ilegalidade” por parte da GOD TV.

Brown alega ainda que as transmissões em hebraico eram dirigidas aos (cerca de 20.000) judeus já convertidos ao cristianismo, que constituem a comunidade messiânica judaica. Portanto não se trataria de proselitismo, pois não havia a intenção de se obter novas conversões.

No artigo, Brown comenta que o órgão regulador cancelou a licença de transmissão do canal Shelanu que havia sido acordada com a empresa Hot, e que GOD TV precisaria entrar com um novo pedido de licença. Brown considera que isto ficou inviável, por que o canal Shelanu se tornou algo muito “quente” para a Hot lidar. Brown acrescentou que a decisão de banir as transmissões da rede representa “um tapa na cara contra as liberdades religiosas”.

Mas adotando um tom mais conciliatório, Brown declarou que o CEO da GOD TV, Ward Simpson, mesmo acreditando que a emissora pudesse vencer na justiça, prefere não atrair atenção negativa para Israel (e aceita a decisão do órgão regulador israelense).

Ao que tudo indica Israel resolveu não pagar a conta aos evangélicos pelo apoio ilimitado que vem recebendo destes. Resta ver se a polêmica explícita que durou apenas alguns meses poderá vir a abalar o apoio político e financeiro recebido dos evangélicos, e que sequelas futuras poderão advir para a liberdade de expressão e de religião no país.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e responsável pelo blogue Chacoalhando.

 

 

 

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