Eleição presidencial dos EUA 2020: conspirações e conspiradores

Os aliados continuam a abandonar o campo trumpista, apesar das novas e sensacionais revelações de teorias conspiratórias sobre fraudes cometidas  pelos Democratas nas eleições presidenciais. 

O monstro mítico Kraken deu nome à teoria conspiratória que pretende afundar a nau do Democrata Joe Biden \ Arte: cortesia Getty Images

Por Ruben Rosenthal, atualizado em 4 de dezembro

Os Estados Unidos atravessam uma situação sem precedentes devido à recusa de Donald Trump em reconhecer sua derrota nas eleições presidenciais, acusando os democratas de fraudes eleitorais generalizadas. Teorias conspiratórias encontraram campo fértil para proliferar. Do lado trumpista partem surpreendentes teorias acusatórias contra o candidato Democrata, que envolvem conluio com o intangível e onipresente Deep State.

Em artigo anterior do blog foi discutida a possibilidade de que Trump e os Republicanos  conspirem para alterar a chapa de membros do Colégio Eleitoral em alguns estados. A definição das chapas se dará em 14 de dezembro, mas o resultado da composição final do Colégio Eleitoral só será conhecido em 6 de janeiro, quando se consumaria o suposto golpe que estaria sendo planejado por Trump.

Negando a derrota. O atraso na contagem dos votos permitiu que Trump intensificasse as acusações de que várias irregularidades estariam ocorrendo, como a inclusão de dezenas de milhares de “cédulas postais ilegais”. Os Republicanos também argumentaram que seus inspetores não conseguiram acompanhar a contagem na Pensilvânia.

Assim, quando Biden ultrapassou a marca de 270 votos eleitorais com a vitória na Pensilvânia em 7 de novembro, o Republicano se recusou a aceitar o resultado. Apesar de enfrentar uma derrota de 306 contra 232 no Colégio Eleitoral, para Trump sua vitória era inegável e os tribunais iriam confirmar que várias fraudes haviam sido cometidas de forma a favorecer Biden.

Uma pesquisa mostrou que 70% dos apoiadores do Partido Republicano acreditam que as eleições não foram justas, com o principal motivo (78%) sendo o sistema de votação por correio. Os resultados na Pensilvânia são contestados por 62% dos republicanos, de acordo com a mesma pesquisa.

Os juízes dos tribunais locais vêm rejeitando quase todas as reclamações apresentadas pelos republicanos. Mesmo que algumas das supostas “fraudes” denunciadas inicialmente fossem comprovadas, elas seriam insuficientes para alterar o resultado da eleição presidencial. A equipe jurídica de Trump também entrou com ações judiciais em tribunais federais na Pensilvânia, Michigan e Arizona para sustar a certificação dos resultados da contagem de votos nesses estados, sem no entanto obter sucesso.

No entanto, novas e impressionantes teorias conspiratórias apoiando a versão de que os democratas fraudaram as eleições presidenciais em uma escala massiva começaram a aparecer nas mídias sociais.  Mesmo com Biden já tendo iniciado a formação de seu secretariado, Trump está ainda longe de admitir a derrota.

A conspiração do sistema de votação eletrônica.  Houve alguma celeuma no final de 2019 sobre a origem das máquinas de votação e contagem de votos, por receio de que contivessem peças de fabricação chinesa. As empresas Election Systems & Software (ES&S) e suas concorrentes, Dominion Voting Systems e Hart Intercivic foram questionadas para revelar tais informações. O presidente-executivo da ES&S, Tom Burt, rejeitou as críticas, acrescentando que a montagem final de suas máquinas eletrônicas ocorre nos EUA.

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Máquinas de votação e contagem de votos com software da Dominion \ Foto: cortesia Getty Images

Em 12 de novembro, Trump citou um relatório da rede conservadora One American News (OAN) ao tuitar que o software dos equipamentos de votação da Dominion deletou 2,7 milhões de votos seus e que transferiu 435.000 votos dele para Joe Biden. No entanto, um comitê conjunto da Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura do Departamento de Segurança Interna (CISA) declarou que “não há evidências de que qualquer sistema de votação excluiu ou perdeu votos, alterou votos ou foi de alguma forma comprometido”. Poucos dias depois, o diretor da CISA Christopher Krebs foi demitido por Trump.

Em 17 de novembro a BBC publicou o artigo “EUA Eleições 2020: Trump está certo sobre as máquinas da Dominion?”, apresentando uma análise detalhada das acusações que abrangem desde a exclusão de votos, até a influência inadequada sobre a empresa Dominion por oponentes políticos de Trump. A BBC não encontrou evidências de que as alegações fossem verdadeiras.

No entanto, ao contrário das denúncias anteriores de fraude, que foram recebidas com ceticismo generalizado no país e no exterior, a teoria da conspiração envolvendo a Dominion obteve um certo apoio na mídia independente. Alguns analistas políticos acreditam que poderia de fato ter ocorrido fraude a favor de Biden nas máquinas de votação da Dominion. No site Global Research foram publicados vários artigos sobre o assunto, com posicionamentos tanto favoráveis como contrários a ocorrência de envolvimento dos Democratas em fraude eleitoral massiva.

Entre aqueles que apoiam a visão de que ocorreu fraude eletrônica pró-Biden está o jornalista independente Brett Redmaine-Titley. Ele escreveu em 19 de novembro que é motivo de preocupação a integridade do sistema eletrônico de votação, já que seria improvável (embora não impossível) que os Democratas perdessem assentos na Câmara e nas legislaturas dos EUA e, ao mesmo tempo, Biden derrotar Trump nas eleições presidenciais. O autor considera que possivelmente “3% do total de votos tenham sido alterados nas cédulas de votação pré-eleitorais coletadas digitalmente”, principalmente nas máquinas fornecidas pela Dominion.

A teoria conspiratória sobre a Dominion adquiriu novos contornos, ainda mais surpreendentes, e que chegam a constituir uma nova teoria conspiratória. Agora a fraude relacionada com o sistema eletrônico de votação teria envolvido a participação da CIA e do Departamento de Defesa, com ocorrência de confrontação bélica na Alemanha. 

A conspiração Kraken. Kraken é o nome de um monstro marinho gigantesco do folclore escandinavo, que sobe do oceano para devorar seus inimigos. Em março de 2017, o Wikileaks revelou documentos vazados que eles batizaram de “Vault 7”, expondo as ferramentas de hacking da CIA, incluindo a infraestrutura usada para desenvolver o programa “Kraken”. No entanto, para se conseguir uma visão completa dos objetivos e do alcance total do software é necessária  a leitura de centenas de páginas dos documentos que vazaram. Mais detalhes continuarão a aparecer na mídia corporativa e nas mídias sociais. Resta saber quais serão as versões confiáveis

Em 2017, com base em 8.761 documentos expostos pelo Wikileaks, o informativo Deutsche Welle relatou que o consulado dos EUA em Frankfurt, Alemanha, era usado como base remota para a CIA começar ataques hackers na Europa, China e Oriente Médio.

De volta a 2020, em 13 de novembro, o site de direita The Gateway Pundit citou o deputado republicano texano Louie Gohmert, para difundir que “forças do exército norte-americano apreenderam servidores em um escritório de Frankfurt da empresa de software Scytl, com sede em Barcelona”. O artigo tenta vincular a empresa Scytl a Dominion, Soros e Bill Gates.

Os apoiadores de Trump  foram rápidos em propagar a nova teoria conspiratória, de que a CIA utilizou o  programa de hacking Kraken para fraudar as eleições presidenciais de 2020. Correlacionando informações obtidas dos vazamentos revelados pelo Wikileaks em 2017 com as recentes eleições nos EUA, o site trumpista escreveu: “Parece que a CIA estava usando o mesmo centro de dados estrangeiro para hackear as eleições nos Estados Unidos … e foi pega. Pode ser por isso que, como relata Gateway Pundit, a CIA foi mantida completamente fora da operação de ataque ao servidor, segundo rumores na Alemanha”. E complementando: “A ação do exército foi provavelmente direcionada contra o local dos servidores controlados pela própria CIA, de onde fora executada a operação remota de invasão hacker pela Dominion-Scytl na noite da eleição!”. A agência de notícias  Associated Press  negou a veracidade da informação, informando que o  exército refuta que a citada operação tenha existido, e que a empresa espanhola classificou as notícias como fake news, negando que tenha escritórios ou servidores em Frankfurt.

A palavra “Kraken” foi utilizada pela advogada Sidney Powell – que até recentemente fazia parte da equipe jurídica de Donald Trump e agora permanece não oficialmente na equipe. Ela descreveu a argumentação que estava montando para provar as fraudes cometidas pelos democratas como “um Kraken,  que quando liberado destruiria o caso do democrata Joe Biden ter conquistado a presidência dos Estados Unidos”. Grupos pró-Trump, incluindo adeptos da teoria conspiratória QAnon, ampliaram a ideia com a hashtag #ReleaseTheKraken. Em fins de novembro a BBC relatou que os documentos apresentados por Powell, constando de quase 200 páginas, consistiam predominantemente de teorias de conspiração e alegações infundadas que já foram rejeitadas.

Distribuição jurisdicional das máquinas de votação por fornecedor. A Dominion aparece em laranja. \ Fonte: The Business of Voting / Universidade da Pensilvânia, Penn Wharton

Para acrescentar mais um ingrediente ao caldeirão conspiratório fomentado nas mídias sociais trumpistas, o tenente-general aposentado da Força Aérea Thomas McInerney, em entrevista para a WVW-TV apresentou uma versão que soldados norte-americanos morreram no ataque às instalações da CIA em Frankfurt, quando as Forças de Operações Especiais teriam capturado servidores da Dominion. Mesmo com o desmentido do comando de Operações Especiais do Exército,  McInerney manteve sua versão. O vídeo completo da entrevista de McInerney para WVW-TV inclui também a entrevista do tenente-general reformado Michael Flynn, recém-perdoado por Trump. Flynn, que admitira ter mentido para o FBI sobre contatos com o embaixador da Rússia, agora pede que Trump suspenda a constituição e declare lei marcial para repetir a eleição.

McInerney declarou ainda que a missão havia sido desvendada pelo 305o Batalhão de Inteligência Militar, conhecido como Kraken. Para  o tenente-general “o batalhão Kraken trabalhava em conjunto com a advogada Sidney Powell e com Trump. O presidente empregou o 305o porque não confiava no Departamento de Justiça, no FBI ou na CIA, por eles estarem do lado do Deep State”.

Na terça-feira, 2 de dezembro, William Barr, procurador geral dos Estados Unidos e fiel aliado de Trump declarou que o Departamento de Justiça não verificou qualquer evidência de fraude eleitoral que pudesse mudar o resultado da corrida presidencial de 2020. Os aliados parecem abandonar o campo trumpista, apesar das novas e sensacionais revelações de teorias conspiratórias sobre fraudes cometidas pelos Democratas nas eleições presidenciais.

Enquanto prossegue a  contagem regressiva para a votação no Colégio Eleitoral em 14 de dezembro, poderão ainda ocorrer novas surpresas no cenário político dos Estados Unidos? Trump planeja de fato interferir na escolha dos membros do Colégio Eleitoral? É ainda imprevisível se o país estará pacificado a partir de 2021, ou se confrontos generalizados violentos poderão ocorrer.

O autor é professor aposentado da UENF, e publica análises políticas no blogue Chacoalhando.

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