Ucrânia: o desfecho da guerra está próximo

Por Ruben Rosenthal

A reposição dos suprimentos de munição de artilharia não poderá ser mantida pelo Ocidente no ritmo necessário para conter os russos.

The U.S. has sent Ukraine more than one million rounds of 155-millimeter artillery, which is used in howitzers. BRENDAN MCDERMID/REUTERS
Os Estados Unidos já enviaram à Ucrânia mais de 1 milhão de munições de artilharia para obuses de 155mm \  Foto: Brendan McDermid/Reuters

 Passados mais de 12 meses desde entrada massiva de tropas russas em território ucraniano surgem novos esforços de mediação, na busca de um acordo negociado de paz. China e Brasil se propõem a atuar neste sentido, mas seus esforços podem estar fadados ao fracasso, antes mesmo de serem promovidas reuniões entre representantes das partes em conflito. Como também fracassou a tentativa anterior promovida pela Turquia, meses atrás.

De um lado, Kiev não tem autonomia para buscar negociações, ficando sujeita às decisões do governo estadunidense, que não demonstra estar minimamente interessado na paz. Do outro, Putin não acredita mais em qualquer aceno de negociações que venha do Ocidente, haja vista a farsa do Acordo de Minsk, que fora avalizado no Conselho de Segurança da ONU.

A Rússia foi engabelada por 8 anos, enquanto a OTAN rearmava e treinava as forças armadas ucranianas, como foi reconhecido recentemente por diversas lideranças dos países que atuaram como garantidores do Acordo.

Fortalecida militarmente, a Ucrânia intensificou seus ataques à região de influência russa no Donbass, leste do país, culminando em 24 de fevereiro de 2022 com o que Putin denominou de Operação Especial. A intervenção das tropas russas no território ucraniano representou a escalada dos confrontos bélicos iniciados em 2014, na sequência do golpe de Maidan orquestrado por Washington.

Agora, só a vitória no campo de batalha interessa a Putin, e esta está bem próxima, segundo o analista Scott Ritter*, apesar do armamento moderno que vem sendo enviado à Ucrânia pelo Ocidente Coletivo, em sua guerra por procuração contra a Rússia. Para os EUA e seus aliados, as mortes de dezenas de milhares de ucranianos e destruição da infraestrutura da Ucrânia é um mero detalhe, na busca pelo enfraquecimento da Rússia e de uma eventual derrubada do regime de Putin.

O atual artigo foi em grande parte baseado em recente entrevista concedida por Scott Ritter no programa de Stephen Gardner.

Cenário favorável à Rússia na frente de batalha

Scott Ritter classifica o momento atual da guerra como de conquista de posições logísticas. Tropas russas e ucranianas têm uma linha de contato definida, e bem fortificada de ambos os lados. O chamado complexo de Bakhmut-Soledar é o nó górdio desta linha defensiva. Sua queda representaria o desbaratamento completo da defesa ucraniana.

Conforme relata Ritter, o governo ucraniano decidiu que não vai se retirar de Bakhmut e construir uma nova linha defensiva em um terreno mais alto, que seria, portanto, mais defensável.  Desta forma, Bakhmut se tornou a batalha decisiva da guerra, avalia. O próprio Zelensky reconhece sua tomada resultaria na completa ocupação do Donbass pela Rússia.

Ritter é didático na explicação: os combatentes dos dois lados estão espalhados ao longo de toda a linha de contato, mas o número de tropas ucranianas é finito. Com a queda de Bakhmut, a frente de contato ampliaria dramaticamente. Os ucranianos não possuem mais tropas de reserva para fechar a linha de contato, ao contrário da Rússia, que possui ainda algo como 120 a 200 mil reservistas em treinamento para entrar no campo de batalha. Se Minsk transferir tropas de outras frentes, estará enfraquecendo as defesas como um todo.

Então a queda de Bakhmut representaria o começo do fim da guerra, sentencia o ex-oficial de inteligência dos marines norte-americanos, já que a matemática militar está a favor na Rússia. No entanto, Ritter não incluiu em sua equação a possibilidade de países do Ocidente Coletivo enviar militares para combaterem sob contrato, como mercenários, para tentar manter incólumes as linhas de defesa ucranianas, ou mesmo promover novas ofensivas.

Em entrevista ao jornalista Aaron Maté, o ex-conselheiro sênior do Pentágono Doug McGregor, coronel aposentado do exército estadunidense, revelou que 20 mil poloneses já lutam sob ordens do comando ucraniano, usando uniforme ucraniano; já teriam morrido 2.500 poloneses nos combates. Mas a equação das munições de artilharia também precisa ser resolvida.

Até o momento, a melhor qualidade dos armamentos de artilharia do exército ucraniano, com munição de 155mm, associada à inteligência fornecida pelos EUA, vem conseguindo se contrapor ao alto poder de fogo do exército russo. Entretanto, o próprio secretário-geral da aliança militar, Jens Stoltenberg, já alertou que a intensidade do conflito está consumindo munição mais rapidamente do que EUA e OTAN podem repor, conforme noticiado no site Forças Terrestres.

Com alguns aliados dos EUA relutantes ou incapazes de fornecer munição suficiente para a Ucrânia, os EUA estão procurando obter suprimentos de munição em vários locais, incluindo Israel, Coréia do Sul, Alemanha e Kuwait. No entanto, a reposição da munição de artilharia poderá não ser mantida pelo Ocidente no ritmo necessário para conter os russos. Ritter considera que a escassez deverá ocorrer ao mesmo tempo em que a frente de contato dos dois exércitos se expandirá com queda esperada de Bakhmut.

Ainda segundo Ritter, o terceiro componente nesta etapa decisiva é confronto travado no ar. De um lado, o sistema de defesa aérea da Ucrânia. Do outro, os mísseis de longa distância lançados pela Rússia, sejam terra-terra, lançados do mar ou do ar, como os mísseis cruzeiro. Em particular, a Rússia conta com o míssil hipersônico Kinzhal-47M2, com capacidade nuclear e alcance de até 2 mil quilômetros

Quando os russos começaram a campanha aérea estratégica eles conseguiram infligir sérios danos à infraestrutura da Ucrânia, em particular a de geração de energia. A OTAN reforçou a defesa antiárea ucraniana contra mísseis e drones russos com o sistema norueguês NASAMS (National/Norwegian Advanced Surface to Air Missile System), e com o avançado sistema terra-ar norte-americano, o MIM-104 Patriot.

Começou então um jogo de gato e rato, com os russos testando e avaliando as defesas da Ucrânia, de forma sucessiva, até que finalmente conseguiram desvendar o esquema de funcionamento da defesa antiaérea ucraniana. Foram então lançados 6 drones e 81 mísseis, incluindo 6 mísseis Khinzal, boa parte deles atingindo os alvos pretendidos. A defesa antiaérea ucraniana teria conseguido destruir 34 mísseis cruzeiro e 4 drones suicida Shahed. Nenhum Khinzal foi interceptado.

Se até recentemente o uso dos mísseis hipersônicos russos no conflito era bastante comedido, agora que a Rússia conseguiu triplicar sua produção, não há nada que os ucranianos possam fazer para detê-los, sentencia Ritter.  Conforme os russos incorporam mais mísseis hipersônicos ao seu arsenal, o sistema de defesa antiaérea da Ucrânia irá colapsar.

Em Washington, vozes mais belicistas, como a senador republicano Lindsey Graham, defendem o envio dos modernos caças F-16 à Ucrânia, para dar apoio aos tanques M1 Abraham – com entrega prevista pelos EUA apenas para o final do ano – de forma a possibilitar uma ofensiva que corte a ligação terrestre da Rússia com a Crimeia através do Donbass, o que abalaria o prestígio interno de Putin. No entanto, antes do final do ano o destino da Ucrânia poderá já estar selado.

Segundo avalia Ritter, em paralelo com a destruição completa do poder militar da Ucrânia ocorrerá o colapso da economia do país e do governo de Zelensky, e isto deverá ocorrer no máximo até setembro ou outubro próximos. Quando finalmente ocorrerem as negociações de paz, Kiev e o Ocidente poderão se perguntar se não teria sido melhor, anos antes, terem levado adiante os Acordos de Minsk.

*Scott Ritter é ex-oficial de inteligência do Corpo de Marines dos EUA, tendo servido na antiga União Soviética, implementando tratados de controle de armas; no Golfo Pérsico, durante a Operação Tempestade no Deserto; e no Iraque, na supervisão do desmantelamento das armas de destruição em massa. O seu livro mais recente é Disarmament in the Time of Perestroika, pela Clarity Press.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN.

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